Cientificismo: Todas as decisões devem ser tomadas através do método científico? (Análise)

by - setembro 14, 2014


Os extremos do cientificismo

Muitas vezes, alguns indivíduos adotam uma versão extrapolada da Ciência, onde ela deve abarcar TODA realidade. Assim, Deus também teria que ser avaliado de acordo com princípios científicos. Não raro, alguns ateístas dizem que “só podemos conhecer as coisas pelo método científico” ou ainda “Deus deve ser provado cientificamente”. Resumindo a ideia:

(A)
A única forma correta de tomar uma decisão, de forma coerente, é com o método científico;
 
(B) Uma definição de posição quanto à existência de Deus é uma tomada de decisão;
 
(C) Se a pessoa não embasar sua decisão sobre Deus em provas científicas, então ele está necessariamente errada;

Para quebrarmos essa lógica, devemos lembrar que existem vários planos de conhecimento (científico, filosófico, etc). O plano do método científico se refere a conhecimentos obtidos através de experimento testáveis, reproduzíveis e controláveis sobre relações causais entre entes empíricos. Ex.: testar se remédios são eficientes no controle de doenças. O problema é que Deus, por definição, NÃO é um ser físico/empírico (material) nem “reproduzível” em laboratório. Portanto, a discussão sobre Deus está um plano acima do método científico. Deve ser feita pela lógica e pela filosofia, assim como são feita as discussões sobre existência de outras mentes, juízos morais e… juízos de conhecimento! A frase, por exemplo, “todas as tomadas de decisão devem ser feitas pelo método científico” não é resultado de uma tomada de decisão baseada em conhecimento? Se é assim, como testar essa ideia de acordo com os padrões científicos? Impossível. Ou seja, de cara já achamos uma contradição lógica. Juízos sobre conhecimento são feitos pela filosofia também. Quem utilizar métodos que servem para um fim “x”, em uma situação “y”, totalmente diferente, acabará por produzir erros.

Imagine que um indivíduo consiga um cargo de gerente júnior em uma empresa que faz consultoria e auditoria. No primeiro dia ele já resolve confrontar o gerente, de forma totalmente arrogante, e sugerir vários modificações na estrutura interna de administração (que, naturalmente, vão despender dinheiro). Como ele ainda não tem o “skill” de um gerente de projetos, ele vai ser DEMOLIDO caso não consiga validar as necessidades para as mudanças propostas perante um “set” de princípios de ceticismo corporativo. O trauma de falhar nessa primeira tentativa é tão grande que ele fica CONVENCIDO que ele deve usar o ceticismo corporativo para TODA e QUALQUER decisão que ele deva fazer a partir daí, já que o gerente de projetos demonstrou (de forma quase humilhante) porque a decisão dele seria errada por esse método. Agora imaginei também que ele tivesse um encontro com a garota de seus sonhos dois dias após esse fato ocorrer (e, portanto, já pretende usar ceticismo corporativo, cujo um das regras é tornar PÚBLICO o motivo pelo qual a ideia está sendo rejeitada, além de ser sempre firme).

A senhorita com quem ele vai sair pretende pede, gentilmente, para irem em algum local descontraído, como um shopping, para bater um papo e aproveitar um lanche leve. Histericamente, ele responde: “NÃO! Já defini, analisando nossa situação de acordo com os objetivos S.M.A.R.T., que devemos ir para um restaurante tomar um VINHO, entendeu?” A garota, meio envergonhada, aceita a proposta e vai até o local definido por ele. Chegando lá, o garçom apresenta a carta de vinhos ao casal. A moça olha e pede: “Por favor, me traga um Chianti Colli Fiorentini, se puder.” Ao que o garçom diz: “É pra já!” O gerente jr traumatizado levanta, dá um murro na mesa e grita: “O QUÊ? Não percebeu que eu ainda não analisei o VESTED INTEREST na escolha dela desse vinho? Caramba! Seu BURRO!” Digamos que a garota ainda tenha uma paciência de Jó e, quando estiver voltando para casa, ainda resolva pedir um abraço ou um beijo pelo encontro. Ao que ele responde: “NEGATIVO! Não avaliei as possíveis consequências desse ato de acordo com o método SIX SIGMA, então nem pensar em alguma coisa dessas! Sempre devemos avaliar ANTES, pelo ceticismo corporativo.” Detalhe: ele realmente queria namorar (e talvez até casar) com a garota. Considerando isso, será que essa seria uma boa atitude a ser tomada? É claro que esse fanfarrão vai levar, mais cedo ou mais tarde, um (merecido) pé-na-bunda. Motivo?

Simplesmente porque ele não aplicou o método de conhecimento no local onde ele FUNCIONA. Aí, os resultados foram desastrosos. Da mesma forma, quem quiser validar um princípio lógico pelo método científico ou um administrar uma empresa pela teologia, também vai conseguir resultados PÍFIOS. Cada coisa deve ser avaliada e utilizada pela finalidade a qual serve. O método científico não é diferente. Não podemos usar o método científico para avaliar uma questão não-científica se não quisermos cair em erro. Logo, podemos concluir que:

(1) Apenas questões que estão no escopo do método científico devem ser analisadas através dele.
 
(2) Deus é uma discussão metafísica, feita pela lógica e filosofia.

(3) Logo, Deus deve ser evidenciado através da metafísica.

Então, temos que:

(A)
Não podemos tomar todas as decisões, de forma coerente, pelo método científico, pois ele só permite o acesso a um tipo específico de conhecimento (que já exclui o conhecimento da frase “Decisões devem ser tomadas pelo método científico”, por exemplo);
 
(B) Deus, por suas características, não pode nem deve ser provado pelos padrões do método científico;
 
(C) Se (A) e (B) estão errados, logo (C), na condição de premissa conclusiva, também está;
 
(D) Logo, a objeção falhou completamente;

Conclusão:

Esse estratagema consiste na visão cientificista do mundo. Embora este conceito seja facilmente refutado, ainda há pessoas que vendem essa ideia, portanto, uma hora ou outra ela acaba ganhando adeptos entre usuários da internet. A mera pergunta “Então como você tomou a decisão que as decisões devem ser todas tomadas pelo método científico” já é suficiente, do ponto de vista lógico, para refutar esta ideia.

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16 comentários

  1. Olá, caro autor.
    Em meio a algumas pesquisas, encontrei o seu blog. Li pouca coisa, mas já gostei do que vi. Estarias interessado em uma parceria?
    Por favor entre em contato comigo, sou autor do blog Respostas ao Ateísmo, não sei se me conheces.

    Minha página é: www.respostasaoateismo.com

    E meu e-mail é: respostasaoateismo@gmail.com

    Abraços, Paz de Cristo.

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    1. O cristianismo defende o maniqueísmo?

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    2. Não, é considerado uma doutrina herética pela Igreja Católica. Curiosamente, Agostinho de Hipona chegou a aderir ao maniqueísmo, mas logo depois se decidiu pelo Cristianismo.

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  2. Um ateu me escreveu isto: Bar do Ateu Ok, Jose, estamos falando da definição de deus. Este deus da imanência eu não tenho como contestar, como já disse. Porém, o deus hebreu YHWH, esse eu tenho como contestar, umas vez que ele foi um deus assumido pelos hebreus, de forma sincrética, a partir do contato com outras culturas, as quais, por sua vez, também o haviam herdado do povo nômade Shusa. Assim, apenas no séc VII AEC YHWH foi erigido como deus único dos hebreus, por ordem de Josias. Ou seja, a história me aponta que YHWH era um dentre centenas de outros deuses do panteão cananeu. Agora, quanto a ideia de um deus não antropomórfico e não interveniente, não tenho o que falar.

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    1. Basicamente, trata-se de uma disputa pelos "títulos", que acabou ficando com Israel.

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  3. YHWH é um Tegragrama! Nada mais é do que o nome do Deus de Israel em forma escrita já transliterada. Ele aparece simplesmente 6.828 vezes sozinho no texto hebraico do Antigo Testamento. Ele é grafado em páleo-hebraico, em fragmento da Septuaginta Grega, ainda usada no século primeiro antes de Cristo! Essa afirmação pode ser comprovada na conceituada tradução para o grego da Bíblia Hebraica, chamada Septuaginta Grega, onde o Tetragrama aparece escrito em hebraico arcaico ou no próprio páleo-hebraico. Da mesma forma que outros deuses pagãos foram se perdendo no tempo, os deuses do panteão cananeu também foram, mas esse ateu esqueceu de dizer que alguns dos Deuses adorados por muitos naquela época, eram os nomes do próprio YHWH! Adonai, Elohim, etc... E vale lembrar que o uso do tetragrama era comum antes mesmo do século primeiro antes de Cristo, são sentenças que se referem a um conceito abstrato de divindade, podendo ser aplicado a qualquer uma. Portanto, dessa proposição, certamente, não se pode concluir que eram o mesmo Deus, mas sim deuses diferentes.

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    1. Muito obrigado amigo pelos esclarecimentos, só mais uma coisinha, você tem alguma coisa sobre questões culturais, por exemplo, eu vejo muito ateu afirmando que Deus é uma criação do contexto sócio-cultural da época, na verdade era uma forma de explicar aquilo que desconheciam, mas com o advento da ciência, tais superstições foram totalmente soterradas, e os poucos teístas que ainda existem tentam conciliar a religião com o contexto sócio-cultural que os rodeia, a modernidade, etc. Quase todos ateus que já conversei passam essa ideia, tem alguma coisa sobre o fato de que Deus não é uma ideia de homens das cavernas? Como sempre peço mil desculpas pela avalanche de perguntas, e que Deus te abençoe a toda a sua família.

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    2. Boa noite. Quando ateus afirmam que Deus é uma criação de um determinado contexto sócio-cultural, eles pisoteiam, de forma grotesca, a antropologia e a filosofia. No que tange à última, eles esquecem por completo as verdades metafísicas que compõem a ideia de Deus. Ela são, antes de tudo, a base racional dessa concepção. Dito isso, quando ele afirma que a origem de Deus é cultural, subentende-se que ele SABE que as doutrinas metafísicas das religiões são todas falsas (ou seja, sabe como derrubar todos os argumentos lógico-dedutivos a favor e apresentar argumentos sólidos contra, fazendo, deste modo, a balança da razão pesar mais para o lado do ateísmo).

      Além desse erro grotesco, ele comete uma falácia genética. A falácia genética é um erro lógico no qual você define como falsa ou rejeitável uma proposição pela forma que ela veio a existir. Vou dar um exemplo prático: Imagine que um jovem executivo chegue atrasado para a sua reunião. Pressionado, ele sai com a seguinte resposta: “Não deveríamos adotar horários pontuais para nossos compromissos. Foi Mussolini quem espalhou a moda de horários pontuais.” Veja que isso não diz NADA sobre a validade ou racionalidade da ideia de adotar horários pontuais para compromissos. Não é porque as pessoas formaram essa ideia (em massa) através de Mussolini que ela passa a ser falsa ou rejeitável. Da mesma forma, a forma pela qual a CRENÇA em Deus se forma também NÃO diz nada sobre a verdade da metafísica dessa crença. Resumindo: fala-se da formação da CRENÇA, não do seu valor de verdade. Logo, o argumento é falho.

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    3. Amigo venho lhe agradecer a paciência e as suas repostas concisas com que tem respondido todas as minha aparantes incógnitas,eu ainda sou um leigo nessa área de apologética, havia me formado em um seminário batista fundamentalista, por isso sempre senti dificuldades de conversar com ateus, mas agradeço muito o tempo que sempre dispõem para responder-me. Venho agora com outra objeção da parte de um ateu, na verdade não nem tanto uma objeção, mas é uma forma meio irônica de justificar o seu ateísmo, veja o que ele me escreveu:



      “E vou te explicar de novo: sou ATEU para o qualquer deus que seja base de alguma religião. No caso do Brasil, sou ateu para o Jeová bíblico, dado sua origem sincrética e antropomórfica o que não vou discorrer aqui, porque seria muito longo.

      Porém, sou agnóstico para uma força criadora não interveniente. Nego veementemente a existência de um deus no formato que os cristãos creem, porém, não posso negar um princípio criador que não se revela. Esse não é tangenciado por entendimentos humanos. Minha impressão é que quanto mais o homem tenta explicar a essência de deus, mais humano esse deus fica. Pensando na existência de um ser que tivesse criado o universo, não consigo concebê-lo como um ser que precise ser adorado, que criou mundos fantásticos como céu e inferno para premiar ou castigar quem não acredita ou não o segue. Um ser com esse poder estaria além de qualquer compreensão humana. Se existir esse criador e o homem tenta explicá-lo, ao meu ver é como tentar conter a luz do sol dentro de uma garrafa pet. Assim, não acredito nesse princípio criador, porém, não posso afirmá-lo, o que me coloca na condição agnóstica em relação a isso.

      Você diz que não concorda com fundamentalismo, mas isso é o que mais estou vendo você fazer, o que muito me decepciona. Procure em minhas respostas para você onde eu disse que você estava errado. Quem sou eu pra dizer que você está errado, quando penso que, na verdade, ninguém está certo? Seria muita arrogância de minha parte pensar dessa forma, mas, como te disse, já fui assim.”



      Para mim isso é meio sem lógica, mas acredito que você terá uma resposta concisa para isso, desde já te agradeço muito amigo, que Deus te abençoe você e toda a sua família.

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    4. Com relação a primeira parte do texto, ele afirma adotar uma proposição negativa com relação ao Deus de alguma religião e, ao mesmo tempo, afirma que esse Deus possui origem sincrética e antropomórfica sem base alguma. Ignore, pois isso não é nem um argumento. Logo depois, ele adota uma outra proposição: o agnosticismo. Ele é ateu e agnóstico ao mesmo tempo? Pergunte a ele qual é a definição de ateísmo e agnosticismo que ele utiliza, pois isso é lamentável. A antropomorfização é um fenômeno compreensível, pois, para compreender o arcabouço das bases metafísicas que sustentam Deus, apela-se para a humanização, visto que fica mais fácil compreender, o que não quer dizer que é errado. Porém, ele esquece que através da lógica pura e simples também é possível fazê-lo. Deus não NECESSITA de nada, visto que é um ser perfeito. Deus não criou mundos fantásticos como céu e inferno para premiar ou castigar, falta compreensão teológica. E, mais uma vez, ele ignora as bases metafísicas que sustentam a ideia de Deus. Se ele quer refutar alguma coisa, é por aí, e não com achismos baratos baseados em opiniões pessoais. Ele basicamente criou uma concepção de Deus baseada em sua própria visão e desconstruiu essa visão. Em outras palavras, ele refutou a si mesmo. Opiniões pessoais, em um debate, devem ser deixadas de lado.

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    5. Um ateu me mandou este link: http://universoracionalista.org/qual-porcentagem-de-filosofos-acredita-em-deus/ estaria certa a porcentagem de filósofos descrentes em um certo tipo de divindade que esse artigo apresenta?

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    6. Nunca ouvi falar desses números. Aliás, a história demonstra o contrário:

      http://razaoemquestao.blogspot.com.br/2013/09/apenas-uma-listinha-de-notaveis.html

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    7. Há mais fundamentos para a existência de uma divindade do que para sua inexistência.

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    8. http://haeckeliano.blogspot.com.br/2012/06/20-perguntas-que-os-ateus-tem.html?m=1

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