Deus Imutável, não Imóvel: Uma contradição? (Análise)

by - novembro 06, 2014


Imutabilidade x Imobilidade

Alguns ateus afirmam que, tipicamente, os teístas tem mantido que Deus é perfeito e, portanto, imutável. Mas se Deus é imutável, então isso parece ser incoerente com uma outra qualidade que os teístas também atribuem tradicionalmente a Deus: a capacidade de agir. Afinal, algo que age, muda. E obviamente o que muda não pode ser imutável. Há algum erro nesse raciocínio? É claro. O erro consiste na aplicação de Homonímia Sutil. Esse é, basicamente, um truque de Dialética Erística. Ele é construído em um argumento que o termo médio é utilizado por uma mesma palavra que admita dois sentidos diferentes. Os exemplos a seguir são elucidativos:

•    (P1) Aqueles que são obtusos são ignorantes.

•    (P2) Alguns triângulos são obtusos.

•    (C) Logo, alguns triângulos são ignorantes.


Ora, nenhum triângulo é obtuso no sentido de ser um “estúpido”, pois estúpido é um predicado aplicado a seres pessoais, não a objetos abstratos. Obtuso, para um triângulo, é ter um ângulo maior que 90º graus. Ou seja, os dois sentidos diferentes de obtuso foram utilizados, o que não é permissível para se chegar a uma conclusão. Logo, o argumento é errado. Ou ainda:

•    (P1) O Poder Legislativo tem a capacidade de suspender a execução das leis.

•    (P2) Mas a lei da gravidade é uma lei.

•    (C) Logo, o Poder Legislativo tem a capacidade de suspender a execução da lei da gravidade.


A mesma denúncia se aplica no silogismo acima, pois o tipo de lei que o Poder Legislativo suspende não é o mesmo tipo de lei que uma lei da natureza (como a lei da gravidade). Enfim, essa é uma falácia informal e pode ser esquematizada da seguinte maneira:
 

No argumento proposto, a confusão está entre algo “imutável” como “imóvel” (incapaz de agir) e “ser essencialmente x”. Um teísta tradicional possivelmente afirma que Deus é imutável no sentido QUALITATIVO apenas, que se refere a suas propriedades essenciais. O que quero dizer com isso é o seguinte: normalmente, uma pessoa como eu pode variar enormemente em suas características. Se paro de fazer exercícios, engordo. Se não exercito minha mente, emburreço. Conforme o tempo passa, as leis da natureza e ação dos átomos vão tornando meu corpo mais fraco, meu pensamento menos ligeiro, minha visão mais fraca e minha vida mais curta. Eu sou feito de matéria e sou corruptível. As coisas mudam e eu também. Mas Deus não. Deus é imutável no sentido de que Ele é, sempre será e sempre foi (para o teísta tradicional) existente, onipotente, perfeito, onisciente e perfeitamente bom e magnânimo. Ele é um ser eterno que por todos os momentos do tempo tem suas qualidades mantidas intactas. Deus não é feito de matéria, portanto não está sujeito às mudanças da corrupção material no seu ser. Deus também é onipotente, o que significa que não há nenhuma ação ou alguma lei externa que seja capaz de mudá-lo ou que o obrigue a mudá-lo – se ele é onipotente, todo poder, no fim das contas, provém dele e está nele. Então, se ele é verdadeiramente onipotente, nada que não seja Ele mesmo é responsável por seus estados. Enfim, eu sou alto, mas poderia ser baixo; eu tenho um certo conhecimento de Filosofia, mas poderia não saber nada do assunto; e a assim vai. Mas ao contrário de mim, as propriedades mais básicas de Deus, por sua perfeição, são do tipo que estão com ele em todos os mundos possíveis e, portanto, são essenciais. Assim, ao dizer que “Deus é imutável” é a isso que me refiro.

Mas a definição de Deus como imutável (ou não “corruptível”) implica que ele é “imóvel”? Esse é um OUTRO sentido que imutável pode ter (ao contrário de não ser “corruptível”, como mencionado e explicado), mas de maneira alguma eu estou obrigado a aceitá-lo. Deus pode agir, pois uma ação sua, dentro daquela definição, é obviamente compatível com a ideia de que nada vai enfraquecendo Deus com o tempo (deixando ele mais burro, mais fraco, etc) como acontece com nós, seres humanos. Não há uma contradição em acreditar que ninguém limita Deus e que ele é capaz de tomar uma decisão própria como criar alguma coisa (na verdade, a contradição estaria mais plausível na ideia OPOSTA).

Considerações finais:

A conclusão é que o argumento falha e que a objeção confunde o sentido de “imutabilidade” atribuído entre um termo qualitativo sobre as propriedades de Deus não mudarem e sobre Deus ser incapaz de agir. Assim, a objeção está refutada.

Referências:

https://projetoquebrandooencantodoneoateismo.wordpress.com/outras-postagens/

You May Also Like

0 comentários