Aborto: Uma Defesa Filosófica da Vida

by - abril 15, 2017


Uma Defesa Filosófica da Vida


Este artigo tem como objetivo principal trabalhar o problema moral do aborto, bem como o status antropológico do feto. Desde já, faz-se necessário clarificar que não serão utilizados como argumento/evidencia apelos emotivos ou religiosos, mas apenas argumentos filosóficos e racionais, para, assim, se chegar à conclusão de que o aborto é errado, moralmente falando, e, portanto, sua legalização incorre em um vilipêndio contra a vida de uma pessoa, que apesar da localização geográfica, tem seus direitos assegurados.

Para fazer o download do artigo completo, clique aqui


Introdução

          Antes de falarmos sobre o aborto, uma questão mais básica surge: por que devemos fazê-lo? Em tempos que, de um jeito ou de outro, as pessoas têm suas opiniões formadas, parece pouco proveitoso falar sobre o tema. Todavia, embora haja uma grande diversidade de escritos e uma enorme facilidade para acessá-los, parece que o aborto tem sido filosoficamente negligenciado. Com isso, se quer dizer que os debates têm se concentrado do âmbito da ciência, ao passo que as questões fundamentais – e talvez as únicas que, de fato, importam – como a pessoalidade, passam despercebidas. Não obstante, é preciso dizer que a sofisticação argumentativa em torno do tema, a nível popular, é praticamente inexistente. Nesse sentido, pretende-se, com este artigo, lançar luz ao debate.
          Segundo Kaczor, em A ética do Aborto (2011, p. 15), um enfoque aberto sobre o tema é essencial para a vida da mente. Nesse sentido, enquanto se busca lucidez, perspectivas e esclarecimentos sobre uma questão tão delicada, se preserva a honestidade intelectual e a humildade de considerar, com base em evidências razoáveis, uma mudança de posição. De qualquer maneira, quando tratamos da pessoalidade do feto, a questão aparenta se tornar mais séria que nunca. Por definição, o ato de assassinar consiste em retirar, deliberadamente, a vida de uma pessoa inocente. Nesse sentido, se o feto é uma pessoa, o aborto parece ser assassinato, e, portanto, moralmente inaceitável. Do mesmo modo, parece razoável admitirmos que toda pessoa tem direito à vida.
          Em contrapartida, se o feto não é uma pessoa, há razão suficiente para considerarmos o aborto como sendo moralmente permissível. É claro que há questões adjacentes e desdobramentos, como o direito de liberdade das mulheres em relação ao direito à vida, o impacto do aborto nas próprias mulheres, o que consideramos como sendo uma vida e os diversos critérios da pessoalidade. Todavia, essas são questões que serão tratadas com o seu devido rigor nos próximos tópicos. Não obstante, a filosofia tem se mostrado como o caminho mais adequado para se responder a uma questão ainda maior: o que devemos fazer?
          A ciência não parece ser capaz de responder às questões do reino dos valores, ao passo que estes não são entidades concretas, e, portanto, não são acessíveis ao conhecimento empírico. Ora, não é possível pegar o valor da “justiça” e introduzi-lo em um tubo de ensaio a fim de estuda-lo. Dito de outro modo, podemos conceber que é possível examinar empiricamente o que ocorreu nos campos de concentração nazistas, mas parece não ser possível, utilizando a mesma metodologia, dizer se aquilo foi bom ou ruim. Essa questão surge em um problema bem conhecido dos filósofos: o problema da distinção fato/valor.
          Aparentemente, existe uma lacuna metafísica fundamental entre fato – uma mera descrição da realidade – e valor – uma prescrição da realidade. A fins argumentativos, consideremos um simples desacordo ético sobre o aborto. O indivíduo A diz que a referida prática é sempre moralmente errada, ao passo que o indivíduo B diz que é sempre moralmente correta. O pró-vida diz que o feto possui funções cerebrais ativas, já o pró-escolha diz que o aborto é moralmente permissível, pois o feto não possui funções cerebrais ativas. Nesse caso, o desacordo aparenta ser sobre fatos. Assim sendo, nós poderíamos utilizar a ciência para provar que ambos estão errados, seja demonstrando que fetos possuem funções cerebrais ativas ou não.
          Todavia, ao elevarmos o desacordo ao nível dos valores, tudo parece mudar. O indivíduo pró-escolha poderia sustentar que a autonomia da mulher sobre seu corpo supera todas as outras considerações, enquanto o pró-vida poderia sustentar que o feto possui direito à vida e que, portanto, este supera todas as outras considerações. A questão é que esses valores parecem ser muito diferentes dos fatos. Em suma, no primeiro exemplo, o desacordo era sobre fatos (o que é), ao passo que no exemplo recente, o desacordo era sobre valores (o que deveria ser). No último, a ciência nada pode fazer para demonstrar quem está com a razão, e é justamente aqui que repousa a discussão central do aborto.
          Por fim, o estatuto moral do feto requer um cuidadoso exame filosófico, à medida que o mesmo parece implicar em um dever moral fundamental: o de não matar. Deve-se deixar claro, no entanto, que o referido artigo trata da admissibilidade moral do aborto, e não de sua legalidade. Não obstante, toda a discussão sobre o aborto parece se pautar em poucas, mas fundamentais questões: o feto humano é uma pessoa? Quando se começa a ser pessoa? Ainda que o feto humano seja uma pessoa, o aborto seria sempre – e necessariamente – errado? Serão sobre essas perguntas que nos debruçaremos nos capítulos a seguir. Em tempo, utilizaremos como base argumentativa e em forma de resumo, para todo o texto, o livro do proeminente filósofo Christopher Kaczor: a ética do aborto (2011).

1 Um Grande Mal-entendido

          Comumente – e não somente a nível popular – nos deparamos com questões relacionadas ao status biológico do feto. Em resumo, tudo gira em torno da seguinte questão: um feto em desenvolvimento é um ser humano? Ora, parece-me óbvio que, se um ser humano é um recém-nascido, um adolescente ou um adulto, ele é, em cada ponto, um ser humano em um estágio diferente de seu desenvolvimento. Aqueles que negam que, o que há no útero é um ser humano, parecem confundir ser humano com um ser em algum estágio posterior de desenvolvimento. A título de exemplo, alguns defensores do aborto dizem que, porque um embrião não é um bebê, não é um ser humano e, portanto, o aborto é moralmente aceitável.
          Todavia, este argumento é completamente falacioso, além de ser irrelevante. Por esse raciocínio, poder-se-ia dizer que, porque uma criança não é um adulto, ele não é um ser humano; ou porque um bebê não é uma criança, ele não é um ser humano. Claro que um embrião não é um bebê, mas isso não quer dizer que um embrião não é um ser humano. Todas estas nomenclaturas são simplesmente as várias fases de desenvolvimento de um ser da espécie humana. O fato é que, desde a concepção até à velhice, tem-se os vários estágios de desenvolvimento da vida de um ser humano. No âmbito científico, essa questão está encerrada, mas, ainda assim, a indagação parece falhar o alvo.
          Como vimos na introdução, o status biológico do feto pouco importa, afinal, é um tanto óbvio que estamos falando de um ser da espécie humana. Essa objeção somente nos serve para termos certeza de que estamos falando de um ser humano, e não de um ganso ou um ornitorrinco. A questão fundamental surge com a seguinte pergunta: esse ser da espécie humana é uma pessoa? Notem que essa indagação pode ser estendida a quaisquer outros seres de outras espécies. Nesse sentido, não é, portanto, uma requisição arbitrária à espécie humana, mas uma pergunta genuinamente filosófica e fundamental ao debate.

2 Definindo o Ser pessoa

          É comum – e até mesmo intuitivo – postularmos os termos “pessoa” e “ser humano” como sendo sinônimos, mas devemos ter em mente que não o são. Poderíamos nos inclinar a pensar que todas as pessoas são seres humanos, mas não parece ser uma definição precisa. Tooley define o conceito moral de “pessoa” como alguém que tem sério direito à vida a não ser morto (1972, p. 41). Nesse sentido, a definição torna-se mais abrangente e satisfatória. Muitos de nós acreditamos que haja categorias de pessoas que não são humanas. Alguns ativistas ambientais acreditam na pessoalidade de alguns animais, como golfinhos e primatas de ordem maior. Do mesmo modo, existem pessoas que acreditam em outro conjunto de pessoas não humanas, como anjos, demônios, as divinas Pessoas da Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Há também aqueles que acreditam na pessoalidade de extraterrestres.
          A título de exemplo, se alienígenas chegassem à Terra a fins de cooperação entre espécies, eles seriam tratados como pessoas, mesmo que não sejam humanos. Por essa razão, Tooley observa, acertadamente, que a constituição biológica não parece ser essencial em determinar se tal ser tem direito à vida (1972, p. 51). Não obstante, pode ser que, no fim, não haja pessoas não humanas. Todavia, assim como não se segue necessariamente que todos os humanos sejam doutores mesmo se todos os doutores são humanos, assim não se segue necessariamente que todos os humanos sejam pessoas, ainda que todas as pessoas sejam humanas. Desse modo, ainda que garantido que todas as pessoas sejam humanas (muito embora longe de estar claro como se poderia demonstrar isso), fica um outro questionamento crucial para o tema do aborto: todos os membros da espécie Homo sapiens merecem respeito para não serem intencionalmente mortos?

3 O Princípio da Potencialidade

          A título de exemplo, Tooley argumenta que a potencialidade do feto se tornar pessoa é irrelevante. Ele procura mostrar isso através do exemplo de um gatinho injetado com soro especial desenvolvido por cientistas para estimular e desenvolver uma racionalidade “superfelina” (TOOLEY 1960, p. 60). O soro pode transformar os jovens gatos em seres racionais. Agora, imagine que você tenha três gatinhos e o soro disponível. Você estaria obrigado a fazê-los gatos falantes, como Salém (Sabrina, a bruxa adolescente)? Seria muito gentil, mas você não teria o dever de fazê-lo. Aqui, Tooley aplica o que chama de princípio da simetria: se não é seriamente errado abster-se de iniciar um processo causal, então não é seriamente errado interferir no processo encaminhado (TOOLEY 1972, p. 58).
          À luz do princípio da simetria de Tooley, se você faz um aborto ou elimina um recém-nascido, um animal racional atuante, uma pessoa humana, não vai chegar a ser. Nesse sentido, se não temos a obrigação de tornar racionais todos os gatinhos, do mesmo modo, não temos obrigação de deixar todos os fetos humanos ou bebês humanos desenvolver-se em animais racionais (TOOLEY 1972, p. 62). Uma vez que o bebê e o feto humano, no melhor dos casos, têm o potencial de se tornar adultos atuantes, o direito à vida desmorona, se baseado no princípio da potencialidade.
          A questão da pessoalidade mais uma vez se mostra: todos os seres humanos são pessoas? Poderia haver alguns membros da espécie Homo sapiens, partilhando características genéticas, mas que, no entanto, não tenham direito à vida? Vários filósofos, como Tooley, Singer, David Boonin, Mary Anne Warren e muitos outros, afirmam que o feto é um ser biologicamente humano, mas não pessoa moral. Nesse sentido, o direito à vida passa a ser justificado de outras maneiras. À luz do critério desses filósofos, analisaremos, caso-a-caso, o direito à vida do feto.

4 O Critério da Experiência

          Na ausência da pessoalidade, Tooley oferece um critério para o direito à vida: tem direito à vida um organismo que se compreende a si mesmo como sujeito contínuo de experiência (1972, p. 62). Em apoio a Tooley, Singer oferece um conceito de pessoalidade como “um ser consciente de sua experiência e capaz de ter desejos e planos para o futuro (1994, p. 218). Essa definição tem vários elementos que definem o status antropológico. Um ser é pessoa se, e somente se, tem:

(1) Consciência de sua própria existência;

(2) Ao longo do tempo e em diversos lugares;

(3) A capacidade de ter desejos;

(4) Planos para o futuro;

          Para entendermos melhor esse critério, tenhamos em mente a seguinte analogia: Se Joana tem um relógio e resolve dá-lo de uma vez para Benjamin, que resolve destruí-lo, os direitos de propriedade de Joana em nada foram violados. Seria uma violação apenas se ela quisesse conservar o relógio em ordem, funcionando com ela, e Benjamin, sem o seu consentimento, quebrasse o que era dela ou o destruísse. Esse exemplo nos indica claramente que há relação entre direitos e desejos. Nossos direitos, portanto, brotariam de nossos desejos, somente havendo violação do primeiro se o segundo é contrariado.
          Todavia, Tooley reconhece algumas exceções importantes à regra de que não violamos o direito de alguém se não contradizemos seus desejos. A título de exemplo, há os casos de perturbação emocional (TOOLEY 1972, p. 47). Quando impedimos um adolescente de se suicidar porque a namorada rompei com ele, não violamos seus direitos ao impedi-lo de tirar sua vida. Do mesmo modo, pessoas emocionalmente perturbadas podem ter vontade – temporária ou permanente – de ferir a si mesmas. Embora o queiram fazer, seus direitos, inclusive à vida, permanecem.
          Uma segunda exceção seria o caso de alguém, antes consciente, e agora inconsciente. Obviamente, quando estamos dormindo, nossos desejos se modificam radicalmente. Sob anestesia, podemos não ter desejo algum. Todavia, evidentemente, alguém que está adormecido ou anestesiado mantém o seu direito à vida, pois este não é episódico. Desse modo, Tooley reconhece mais essa exceção. Ainda assim, há uma terceira, concernente a indivíduos cujos desejos possam estar distorcidos por condicionamentos ou doutrinação. O caso do suicídio coletivo no Templo dos Povos, perpetrado por Jim Jones, em 1978, nos serve como exemplo. Desbloqueadores da programação cultural ajudam famílias a recuperar seus filhos, embora estes, ao menos no começo do tratamento, queiram permanecer na doutrinação. Desse modo, não se viola direito algum.
          De qualquer maneira, para Tooley, direitos nascem de desejos, sejam eles distorcidos ou não. No entanto, um ser não pode ter desejos a não ser que tenha conceito de si mesmo como sujeito de experiência. Assim, qualquer ser sem conceito de si mesmo não pode ser pessoa. Obviamente, nenhum feto humano tem conceito de si mesmo, e isso é verdade também para o neonato. Exatamente como ninguém viola meus direitos de propriedade quando leva o que eu não tenho interesse em ter, assim nada se faz de errado com o feto humano ou neonato em eliminá-lo porque ele não tem conceito de si, assim como não tem desejo de viver, então não há direitos a ser violados. Dessa forma, o argumento de Tooley sustenta não somente o aborto, mas o infanticídio.
          Ora, mas quando se começa a ter conceitos, de fato? Filósofos analíticos como Davidson, Malcom e Stich acreditam que estes se desenvolvam com a linguagem (DAVIDSON 1984, p. 157). Caso se assuma essa visão da relação entre conceito e linguagem, então a eliminação do novo ser humano é permissível até que se desenvolva a fala. O que varia amplamente entre crianças, mas começa em média ao redor de nove meses até dois anos e meio (para algumas crianças ainda mais tarde). Nessa perspectiva, não apenas o infanticídio, mas eliminar crianças mais velhas seria permissível até que a criatura pudesse se expressar verbalmente. A situação se mostra ainda mais assustadora quando nos deparamos com deficientes permanentes de fala.
          Poucas pessoas estão dispostas a aceitar o fato de que muitos argumentos em favor do aborto funcionam perfeitamente em favor do infanticídio. Ora, é desnecessário dizer que nem toda gente está convencida de que o infanticídio é moralmente permissível. Arrisco-me a dizer que a grande maioria dos defensores do aborto o condenam, mas sem notar essa peculiaridade argumentativa.  Todavia, esse é um fator que deve ser levado em consideração, por força da lógica. Não obstante, à luz desse fato, o infanticídio será posto em questão ao decorrer desse artigo.

5 A Espécie é Moralmente Irrelevante?

          Se a diferença é, de fato, moralmente relevante, a defesa dos direitos dos neonatos e dos fetos humanos não precisa se apoiar necessariamente no princípio da potencialidade. Tooley afirma que a diferença não é relevante, mas essa alegação é altamente controversa. A título de exemplo, parece haver uma enorme diferença entre atropelar e sair sem prestar socorro a um esquilo e a um recém-nascido humano, mesmo se o bebê morto era mentalmente prejudicado ou órfão. Em segundo lugar, embora haja pessoas vegetarianas por respeito ao valor moral dos animais, existe uma grande diferença entre consumir uma sardinha e um Sardinha, mesmo que este, por seu retardo mental, não seja mais inteligente que um peixe.
          A condenação do canibalismo parece se fundar, ao menos em algum nível, na convicção da diferença moral relevante entre espécies. Do mesmo modo, embora os hábitos sexuais tenham mudado, em grande parte nas últimas décadas, é errado para seres humanos terem intercurso sexual com animais não humanos. A condenação da bestialidade também parece se fundamentar na diferença relevante entre as espécies. Nesse sentido, a posição de Tooley parece desabar frente a essa noção intuitiva.
 
6 O Critério da Consciência

          As defesas do infanticídio tipicamente pressupõem uma compreensão do ser pessoa que postula a consciência. Nicole Hassoun e Uriah Kriegel, em seu artigo “Consciência e a permissibilidade moral do infanticídio”, resumem sua postura contra considerar bebês recém-nascidos como pessoas da seguinte forma: “não é permitido matar intencionalmente uma criatura, somente se a criatura é autoconsciente. Ora, é razoável crer que há um tempo em que infantes humanos não têm consciência de si mesmos, portanto, é razoável crer que é permitido matar intencionalmente alguns infantes humanos” (2008, p. 45). Aqui, é possível estabelecer um paralelo com os critérios de Singer, já abordados no ponto (1) do tópico 4.
          O critério de Nicole e Uriah está aberto, pelo menos, a três interpretações. A primeira, tomada literalmente como se enuncia – um ser é pessoa apenas se (atualmente) está consciente de sua própria existência – implicaria que cessamos de ser pessoas cada vez que adormecemos ou somos anestesiados, o que é um absurdo. Essa concepção exclui não apenas o neonato, mas todos os adultos portadores de uma profunda deficiência mental. Ora, ninguém admite que seja moralmente permitido matar um ser humano submetido à cirurgia, ou nocauteado no boxe, durante o sono ou desmaiado após um acidente de carro. No entanto, falta a esses seres humanos a autopercepção e a consciência.
          Alguns tentam contornar o problema apelando à capacidade imediata do exercício de autopercepção. Uma pessoa fluente em alemão pode estar falando inglês ou dormindo no momento, mas pode se ligar em ritmo rápido e atualizar sua capacidade adormecida de falar alemão. O adormecido pode exercer imediatamente a capacidade para a consciência acordando, mas o neonato não pode exercer imediatamente sua capacidade de autopercepção. Essa noção garante direitos aos adultos normais adormecidos, mas não àqueles em coma temporário, pois estes não podem atuar imediatamente sua capacidade de autoconsciência. Na verdade, às vezes levam meses e mesmo anos até poderem, de novo, ser capazes de autoconsciência. No entanto, ninguém sustenta que seres humanos em coma temporário não mereçam respeito como pessoas.
          Numa terceira visão, diz-se que o que importa é a posse da “aparelhagem mental” ou a arquitetura neural corrente que possibilite a autopercepção (SAVULESCU, 2002). Mesmo se você nunca estudou uma palavra em alemão e, assim, não tem como atualizar o potencial que tem de falar alemão, você é capaz de aprender essa língua se seu cérebro funciona de forma que, dada a oportunidade adequada, você aprende alemão. A capacidade entendida nesse sentido assegura o direito à vida a seres humanos em coma temporário, mas não necessariamente a todos. Se o cérebro de alguém é gravemente danificado em acidente de carro, em alguns casos o ser humano atingido não tem mais o “equipamento” neural funcional. Embora não seja possível, no atual estado de nossa tecnologia, digamos que um dia técnicas médicas avançadas possam reparar cérebros e, assim, a pessoa lesada possa ter de novo o equipamento neural funcionando novamente.
          Se tais técnicas fossem disponíveis, não haveria diferença importante entre o ser pessoa do comatoso temporário de hoje e a vítima de acidente de carro no exemplo. Assim, ter o equipamento neural necessário para a consciência atualmente funcionando não parece ser, de fato, essencial para ser pessoa. Afinal, por que o seria? Parece arbitrário simplesmente escolher uma condição necessária para a autopercepção – estrutura neural – mais que outras, como estar vivo e a natureza específica racional. Se qualquer outra condição necessária para a autopercepção é também suficiente, então, de novo, se deveria considerar pessoa o infante humano vivo, por sua natureza racional.
          Outra tentativa de se solucionar o problema do coma é dizer que, uma vez que um ente se torna pessoa, esse ente não mais perde esse status enquanto exista. Ser pessoa, uma vez alcançado com a consciência inicial, não se pode perder até o fim da vida. No entanto, além de ser uma resposta ad hoc, não é claro porque alcançar a consciência deveria decidir o ser pessoa. Ser pessoa é uma prerrogativa por ter chegado à consciência um tempo? Por que deveria um ser que alcançou a consciência e a perdeu permanentemente tem valor moral maior que um ser que está em vias de chegar à consciência que exercitará no decurso da vida toda?

7 O Critério das Doenças Graves

          Algumas pessoas se opõem a eliminar neonatos sadios, mas admitem que se mate bebês incapacitados. Em seu artigo “Encerrando a vida de um neonato: o Protocolo de Groningen”, Hilde Lindemann e Marian Verkerk apoiam quem “responsavelmente termina a vida de neonatos severamente lesados” por vários tipos de doenças sérias. O argumento delas é honestamente direto e, na forma similar, àquele geralmente usado a fim de justificar a eutanásia. Lindemann e Verkerk defendem o Protocolo de Groningen, todavia, sua defesa parece falhar nos fundamentos. Assume-se como dado que um sofrimento sério – entendido como dor física ou agonia psicológica – torna sem valor a vida de quem sofre, pressupondo um dualismo entre o eu e o corpo. Em todo caso, há boa razão para questionar a concepção dualista do “eu” pessoal contraposto à existência corporal da pessoa (LEE, GEORGE 2007). Se todas as pessoas humanas têm valor intrínseco e a vida da pessoa é a pessoa em sua dimensão corporal, segue-se que todas as vidas humanas, inclusive a de quem sofre duramente, têm valor intrínseco. Além disso, a problemática se mantem em um dilema de duas vias: se deixa o bebê sofrer ou se mata-o conscientemente. Não se menciona uma terceira alternativa, que seria usar fármacos que aliviem o sofrimento.
          Lindemann e Verkek também assumem falsamente que a retirada ou omissão de apoio à vida de um paciente de qualquer idade depende do julgamento de que a vida do paciente não tem mais valor. No entanto, a decisão de não aplicar ou de remover tratamento especial de prolongação da vida não se baseia necessariamente na suposição de que a vida da pessoa, de que seu “eu mesmo” não vale mais a pena. Se, ao ver de quem tem autoridade para o cuidado do paciente, as desvantagens do tratamento pesam mais que seus benefícios, o tratamento não precisa ser ministrado ou pode ser interrompido sem recorrer à convicção de que essa vida não tem mais valor. Parece óbvio: a situação do paciente vai condicionar parcialmente o grau em que um dado tratamento e vantajoso ou desvantajoso (KEOWN, 2002). No entanto, a pergunta adequada é se o tratamento vale a pena, e não se a vida do paciente vale a pena em termos de benefícios e custos.
          A típica defesa do infanticídio assume que na maioria dos casos em que é desejável, será claro logo depois do nascimento (TOOLEY 1972, p. 64). Seja como for, em muitos casos, a extensão das deficiências das crianças prejudicadas não vai aparecer num curto lapso de tempo após terem nascido. Nesse sentido, propostas mais ousadas têm sido trazidas à mesa. Embora algumas pessoas aleguem evidências de autoconsciência apenas doze a catorze dias depois do nascimento, Hassoun e Kriegel também oferecem o que tomam como outro plausível ponto de corte para o prazo do infanticídio:

É plausível tomar o autorreconhecimento no espelho como evidência de presença de autopercepção. A questão que desejamos nos perguntar a nós mesmos é em que idade os humanos desenvolvem a capacidade de autorreconhecimento no espelho. A evidência indica que os seres humanos desenvolvem a capacidade de se reconhecer no espelho entre 18 e 24 meses (2008, p. 49).

          Embora quase ninguém aceite a morte de crianças inocentes de até 2 anos de idade, a visão de que ser pessoa requer autopercepção consciente empurra para esta conclusão absurda, o que é uma boa razão para rejeitar essa visão do ser pessoa subjacente. De fato, levado a suas conclusões lógicas, o modo de ver defendido pelos defensores do infanticídio é tão radical que leva a implicações que ninguém está disposto a aceitar. Realmente, se um recém-nascido logo após o parto é menos pessoa que um bezerro, um porco ou uma galinha (SINGER 1993, p. 151), então o infanticídio não deveria ser mais difícil que matar sem dor um animal para a alimentação.
          Como vimos anteriormente, essas conclusões altamente controversas se aplicam não somente a bebês humanos, mas também a adultos mentalmente prejudicados que funcionam no mesmo nível de infantes. Nem se precisa dizer que questionamentos e respostas críticas têm dificultado a defesa do infanticídio. Em sua ampla maioria, as pessoas a favor de se admitir moralmente o aborto, não defendem também o infanticídio. Muitas delas sustentam que se pode permitir o aborto da concepção até o parto, e não depois. Nesse modo de ver, infantes recém-nascidos não devem ser mortos intencionalmente, mesmo indesejados pelos pais, mesmo nascidos em situações trágicas, mesmo concebidos por incesto ou estupro, mesmo com suas perspectivas sombrias de futuro. Todavia, um ser humano no útero, nas mesmas circunstâncias, pode ser abortado.

8 Aborto e Infanticídio

          O que distingue meros seres humanos ou pessoas “potenciais” de pessoas “reais” ou “atuais”? Warren oferece cinco diferentes critérios pelos quais podemos destacar esses dois conjuntos de seres (1973, p. 263). Não é necessário ter todos esses traços para ser pessoa, mas qualquer ser que não disponha de nenhum deles, certamente, não é uma pessoa. Em primeiro lugar, pessoas têm consciência de objetos e eventos, externos ou internos a elas mesmas, em particular a capacidade de sentir dor (WARREN 1973, p.163). Nesse sentido, seres humanos a quem falta essa capacidade de consciência, particularmente a capacidade de sentir dor, não são pessoas.
          Segundo: pessoas podem raciocinar, têm desenvolvida a faculdade de resolver problemas novos e complexos. Pessoas potenciais não funcionam desse modo. Terceiro: pessoas têm atividade automotivada, isto é “atividade relativamente independente de controle genético ou externo”. Pessoas potenciais não sabem se controlar no grau requerido. Quarto: pessoas possuem a capacidade de se comunicar por quaisquer meios, em mensagens de uma variedade indefinida de tipos, isto é “não apenas com número indefinido de conteúdos possíveis, mas a respeito de um conjunto indefinido de tópicos. Pessoas potenciais só podem se comunicar muito pouco ou às vezes simplesmente nada. Quinto: pessoas têm “presentes autoconsciência e autopercepção individual, racial ou ambas”. Aos meros seres humanos, faltam tais predicados.
          Para Warren, a primeira e segunda condições – sensibilidade e faculdade de raciocínio – parecem bastar para a pessoalidade, mas se, a um ser, faltassem todas as cinco, este não seria uma pessoa, embora possa sê-lo potencialmente. Do mesmo modo, para Warren, seres humanos gravemente deficientes ou lesados, seja no processo de nascimento ou até mesmo por acidente mais tarde na vida, não são pessoas se perderam permanentemente a consciência (p. 262-264). Assim, os critérios de Warren excluiriam não só todos os seres humanos antes do nascimento, mas alguns muito depois do nascimento.
          Como Warren se dá conta, a concepção de pessoalidade desenvolvida aqui nos leva a concluir que matar um recém-nascido não é assassinato, já que o infanticídio não é a morte de uma pessoa, mas apenas de um ser humano (WARREN 1973, p. 266). Não obstante, persiste em dizer que é moralmente errado, pois, se os pais biológicos não querem a criança, outras pessoas querem, a saber os inúmeros casais em filas de adoção. Nesse sentido, como é errado destruir algo que os outros desejam muito, mesmo se acontece que você não tenha tanto interesse, é ruim destruir um neonato tão querido por tantos outros.
          Warren observa que a maioria das pessoas não quer que bebês recém-nascidos sejam eliminados. Todavia, se as pessoas querem proteger bebês recém-nascidos e estão dispostas a pagar por orfanatos e outras formas necessárias de cuidado, então bebês não devem ser eliminados, mas, pelo contrário, protegidos. Desse modo, a sociedade como um todo deseja que bebês não só não sejam destruídos, mas protegidos por lei e bem-vindos à vida. No entanto, Warren mantém que matar bebês deficientes não queridos, nascidos numa sociedade que não valorize o neonato, seria permissível. O racional parece ser que não haverá outros querendo os neonatos em tal sociedade (p. 267). Seja como for, nossa sociedade valoriza neonatos e, assim, em nosso contexto, seria inadmissível mata-los.
          Segundo Warren, de qualquer maneira, a diferença-chave entre aborto e infanticídio é estritamente geográfica: o feto humano reside no interior da mãe, e assim tem seus direitos à liberdade, à felicidade e autodeterminação tolhidos. Se de algum modo fosse possível remover o feto humano do útero sem matá-lo, eliminá-lo não mais seria permitido, exatamente como não se permite matar o bebê após o nascimento. O problema é que, mesmo diante dos esforços para aprovar o aborto e condenar o infanticídio, os argumentos utilizados sempre servem a ambos. Para Warren, o infanticídio está errado porque, embora os pais biológicos não queiram a criança, outros casais a querem. A dificuldade, ao que parece, é que esse mesmo raciocínio tornaria inaceitável não só o infanticídio, mas também o aborto, visto que não é somente o infanticídio que não deixa casais adotarem uma criança, mas também o aborto.
          Engelhardt tenta contornar a questão da permissibilidade do infanticídio apelando a uma espécie de conceito social de pessoa. Ele o faz, principalmente, dizendo que o infante é biologicamente humano e, assim, merece uma dose de respeito. Todavia, mais uma vez, suas razões parecem se aplicar ao aborto. Ao fim de tudo, se um infante merece um mínimo de respeito por ser geneticamente humano, por que um ser humano gerado de genitores humanos, no seio de mãe humana, membro da espécie Homo sapiens, tanto quanto qualquer recém-nascido, não deveria também merecer respeito? Se banir o infanticídio, de alguma maneira, contribui para assegurar o desenvolvimento sadio das crianças, por que o mesmo não valeria a respeito de banir o aborto?
          Se nem fetos humanos nem neonatos contam como pessoas no sentido estrito, por que se deveria contar os infantes como pessoas mesmo apelando ao sentido social de Engelhardt? A única resposta racional é que, no infanticídio, o novo ser humano não está mais dentro do corpo da mulher e, no aborto, ainda está dentro do corpo da mulher. Em suma, a questão passa a ser estritamente geográfica. Warren parece se encontrar em um dilema: para ser coerente, ela deve abandonar a postura do aborto ou aderir à causa do infanticídio (CARD, 2000). Warren tenta distinguir aborto de infanticídio apelando à interação com agentes morais, mas parece não funcionar, pois esse raciocínio não exclui o infanticídio como escolha seletiva entre os bebês antes que a fala surja.
          Em seguimento, Warren apela às diferenças de evidência comportamental e neuropsicológicas entre um neonato e um feto humano (WARREN 2000, p. 355). Todavia, mesmo sendo clara a diferença entre a capacidade fetal de sentir no começo da gravidez e a do ser humano recém-nascido, essa diferença não serve para delimitar a distinção entre aborto e infanticídio. Como Warren tacitamente admite, não há significativa diferença entre a capacidade de sentir de um feto humano um dia antes do parto e a do mesmo ser humano com 24 horas de nascido. Nesse sentido, em vista de mostrar a diferença entre aborto e infanticídio, o defensor do aborto deve mostrar que há uma importante e fundamental diferença entre ambos.

9 Localização Geográfica

          Para Warren, o nascimento é o instante em que um ser humano começa a ter direitos, inclusive de que sua vida seja respeitada. Diferentemente da autoconsciência ou da capacidade de ser racional, o critério do nascimento não vai excluir do direito à vida pessoas portadoras de graves lesões que afetam sua mente ou idosos senis. Todavia, a localização geográfica como critério suscita problemas cômicos e inusitados. Todo ser humano parece ser ou não ser pessoa independentemente da localização dentro ou não do corpo de uma pessoa. Por que deveria a pessoalidade de um ser humano diminuir ou mesmo cessar porque está vivendo dentro do corpo de outra pessoa? Imagine-se a última consequência dessa visão para dentistas, cirurgiões ou homens durante o ato sexual.
          Há realmente uma diferença decisiva na evolução “para ser pessoa” de um ser humano entre um minuto antes do parto e um minuto após? O momento decisivo para o feto é ao deixar o útero ou o canal vaginal? Tem que estar todo fora do ventre ou a saída da cabeça já garante a pessoalidade? O que acontece se o bebê inteiro já nasceu, mas o médico lhe manteve um pé dentro da mãe, ele é “meia” pessoa? Esses e muitos outros questionamentos – tão ou mais cômicos –  ilustram bem a inadequação do referido critério.

10 O Critério dos Desejos Conscientes

          A definição da pessoalidade pelos anseios soa: se a um ser absolutamente nada pode importar, então esse ser não tem anseios. Não se pode levar em conta anseios seus e carece de status moral” (STEINBOCK 1992, p. 15). De acordo com David Boonin, matar você ou a mim é incorreto por impedir nossos desejos, especialmente o desejo de ter um futuro como o nosso (2003, p. 125). Todavia, o desejo tem que ser presente, e não futuro (diferentemente de Tooley). A razão para Boonin de sustentar que os desejos presentes são os que dão direito à vida é que ele crê que esse parecer provê uma explicação mais incisiva e concisa da proibição de matar em casos não controvertidos do que o faria apelar a desejos futuros. Assim, para Boonin, não são os desejos futuros que fazem diferença para os direitos, mas os desejos atuais.
          O desejo pode ser ideal mais que real, isto é, pode referir-se mais ao que idealmente desejaríamos do que ao que de fato é desejado por nós no momento presente. De outra forma, um adolescente louco de amor que quer suicidar-se não teria direito à vida. Todavia, até que cheguemos a ter desejos de algum tipo, cuja realização exija não sermos mortos, ainda não temos direito à vida. O feto humano não pode ter desejos conscientes antes do momento em que tenha organizada a atividade elétrica cerebral (BOONIN 2003, p. 126). Boonin afirma que desejos conscientes podem começar cerca de 25 a 32 semanas depois da fecundação (2003, p. 127). Todavia, esse critério parece ser problemático.
          A título de exemplo, os budistas creem ser possível extinguir todo desejo e todo anseio. Se um ser humano atingir essa meta, na perspectiva budista, terá alcançado o Nirvana, mais do ponto de vista de Boonin, não terá mais direito à vida, pois tal ser humano, o budista-modelo, não teria desejo de futuro. Similarmente, considerem um outro caso: Chuck, construtor, 30 anos, sobe as escadas de sua casa enquanto segura uma pistola de pregos. Repentinamente, ele tropeça e dispara um prego direto no crânio. Espantosamente, Chuck não morre. Os cirurgiões removem o prego de seu crânio. Após o período de recuperação, Chuck deixa o hospital. Continua a vida como antes, mas nota que não mais deseja coisa alguma. O que aconteceu foi que o prego feriu precisamente a parte de seu cérebro que processa sentimentos e desejos. Chuck sofre de uma patologia neurológica, todavia, seria absurdo alegar que ele não teria mais direito à vida.

11 O Critério da Viabilidade

          Como utilizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, o referido critério consiste no ponto em que o ser humano no útero é potencialmente capaz de viver fora do ventre materno, ainda que com ajuda artificial. A capacidade de sobrevivência fora do ventre materno sinaliza, portanto, a encruzilhada em que o Estado poderia começar a pôr fora de lei o aborto em algumas circunstâncias. Ora, por que a viabilidade é tão importante? Ela marca o momento em que o feto chega à possibilidade de viver fora do ventre e, assim, o começo de vida autônoma em termos de direitos humanos.           
          Tooley aponta que há inúmeras razões para rejeitar a viabilidade como forma de distinguir pessoas de meros seres humanos (1972, p.51). Se o feto humano pudesse aprender uma língua – considerando que o uso da linguagem é condição necessária e suficiente de pessoalidade – então o ser humano falante no útero seria pessoa. Nesse sentido, a dependência fisiológica não parece ter qualquer relação com a pessoalidade.
          Tooley também nota que gêmeos siameses às vezes dependem um do outro para a vida toda e, assim mesmo, considera-se que ambos são pessoas. Outros filósofos também rejeitam a viabilidade como padrão por causa de estudos que revelaram que fetos africanos se tornam viáveis mais depressa que latinos, e latinos mais rápido que brancos (ALEXANDER et al. 2003). Isso significa passar pelo embaraço de dizer que critérios raciais e sexuais têm peso na pessoalidade. De todo modo, Tooley e Singer sugerem – e com razão – que a viabilidade é um caminho muito pobre para distinguir pessoas de meros seres humanos.

12 O Critério do Movimento do Feto

          A mexida é outra marca comumente utilizada para distinguir não pessoas e pessoas humanas. Um argumento a favor do movimento como critério se dá através da indicação da existência de um ser vivo no seio da mãe. O movimento seria um dos princípios essenciais da vida. Nesse sentido, segue-se que só quando o feto humano é capaz de gerar seu próprio movimento começa a ter vida e peso moral. Em outras palavras, o feticídio antes da mexida seria permissível, mas o aborto após a mexida não seria admissível. Um segundo ponto ainda é levantado, sugerindo que, antes da mexida, o feto humano é parte da mãe. Depois da mexida, o ser humano no útero é independente da mãe como os movimentos independentes o mostra. Nesse sentido, se o embrião ou o feto humano é simplesmente parte do corpo da mulher, segue-se que se poderia equiparar ao apêndice, às amídalas ou, quem sabe, a um tumor.
          Se o feto é mera parte do corpo da mãe, o aborto faz parte do conjunto de outras intervenções voluntárias no corpo humano, como prótese nos seios, redução, obturação de dentes, plástica no nariz, alisamento de rugas, entre outros procedimentos. Se o feto humano é simplesmente parte do corpo da mulher, então não há problemas em abortar. Todavia, uma dificuldade com essa visão é que é difícil reconciliá-la com intuições amplamente tidas sobre seres que merecem respeito. Adultos paralisados, como Stephen Hawking, podem não se mover, mas parece que ainda têm direito à vida. Por outro lado, máquinas podem se mover, mas não se presume que devam ter direito à vida. Em todo caso, se o simples movimento autônomo é essencial para se ter direito a não ser morto, segue-se que o feto humano tem esse direito já vários meses antes de nascer.
          Em seguimento, a visão de que o feto humano é parte da mãe enfrenta sérias objeções. Frequentemente, acontece que o feto tem tipo sanguíneo diferente do materno, cor diferente de olhos ou sexo diferente do da mãe. O feto humano sempre tem código genético diverso da mãe. Esses fatores indicam que o feto humano nunca é bem outra parte da mãe. Esse mesmo critério, quando verificado mais a fundo, nos leva a absurdos e bizarrices: se o feto é mera parte da mãe, poder-se-ia dizer, sem problema algum, que mulheres grávidas tem quatro pés, quatro mãos, duas cabeças (no caso de gêmeas, três), dois sexos e outros absurdos mais. Mesmo excluindo esses fatores, estar dentro de algo não é ser parte desse algo, do mesmo modo que “um bebê de tubo de ensaio” não é parte da placa de Petri. Finalmente, também pode ocorrer que o feto humano morra e a mãe viva independentemente por muitos anos. A morte da mãe não é a morte do feto, e vice-versa. Em conclusão, os argumentos baseados nessa crença, não são sequer válidos, embora sejam constantemente (e surpreendentemente) levados à mesa em debates populares.

13 O Critério da Sensibilidade

          Segundo alguns filósofos, com a capacidade de sentir – de sofrer dor ou gostar do prazer – é que um ser começa a ter interesses. Nesse sentido, se os interesses e direitos se interligam, a capacidade de sentir marcaria o começo do direito à vida. Ronald Green pensa que a capacidade de sentir surge ao redor, talvez, de 30 a 35 semanas da concepção, umas poucas semanas antes do parto de pleno termo. Seja como for, ele concede que após a formação do cérebro frontal, médio e posterior não se pode excluir a capacidade de sentir (GREEN 2001, p. 42). A sensciência é diretamente dependente do cérebro. 5 semanas após a concepção, o feto desenvolve um córtex cerebral profundamente convoluto.
          Embora haja debates sobre quando o feto é capaz de sentir, a importância da capacidade de sentir é sublinhada por qualquer visão que a liga a interesses, e este a direitos. Uma vez que a capacidade de sentir começa, seja na décima ou na trigésima semana, o mero ser humano se torna pessoa humana com direito à vida. Todavia, por que experimentar dor e prazer é tão importante para se ter direitos? Como poderia o valor moral de um ente depender de sua capacidade de sentir? Ora, o feto humano – se não se acabar com ele – é obviamente um ser que vai experienciar prazer no futuro, assim, há razões para se opor ao aborto ao longo da gestação e ao infanticídio.
          Poder-se-ia argumentar dizendo que o que conta é a capacidade atual de sentir dor, e não a futura. Todavia, essa argumentação exclui, mais uma vez, quem está sendo operado, anestesiado ou em coma temporário. Ainda assim, se poderia assumir que a estrutura cerebral exigida para sentir é o que realmente conta, e não o poder sentir, de fato. No entanto, soa bem estranho e arbitrário escolher essa condição necessária para a capacidade de sentir e não outra, igualmente necessária, como estar consciente no momento, estar vivo ou a base genética para sentir. Embora, na capacidade de sentir, frequentemente se veja um momento moralmente significativo no desenvolvimento do ser humano, ela é uma qualidade partilhada por seres que claramente não são pessoas, como sanguessugas, gafanhotos e marimbondos. Certamente, não é crime usar inseticida contra vespas. Nesse sentido, parece óbvio que a capacidade de sentir não fundamenta o direito à vida.
          Eventualmente, poder-se-ia argumentar é possível observar que nem todos os seres que sentem são igualmente capazes de sentir, para evitar dar direitos iguais aos insetos. Nesse sentido, o aborto no começo da gravidez não seria moralmente problemático porque o feto humano não é capaz de sentir. Todavia, isso cria um espaço para a intuição de que quanto mais tarde na gestação o feticídio se faz, mais problemático ele é, haja vista que a capacidade de sentir, cresce à medida que a gravidez progride. Ainda assim, isso explicaria o porquê de matar um ser humano é pior do que matar um inseto. Os dois seres são capazes de sentir, mas não o são igualmente.

Diferirem os graus de capacidade de sentir e de sofisticação mental torna razoável conceder-se a alguns seres que sentem estatuto moral mais forte que a outros, por exemplo, proteger vertebrados com mais cuidado que insetos, que parecem só minimamente sensíveis e carentes de capacidades mentais mais sofisticadas (WARREN 2000, p. 354).

          Segundo Warren, quanto mais um ser humano é capaz de sentir, mais valor moral ele tem. Todavia, a capacidade humana de sentir não parece se restringir à gestação. Ao passo que um mestre de kung fu pode pôr suas mãos no fogo e aguentar a dor, uma princesinha de contos de fadas não pode suportar um grão de milho debaixo de seus vários colchões. Do mesmo modo, muitos homens não podem aguentar o mínimo desconforto, ao passo que muitas mulheres enfrentam o parto sem anestesia. Alguns ferimentos e doenças reduzem grandemente a capacidade de sentir dor, e isso nos leva a concluir que eles diferem radicalmente em termos de pessoalidade.
          Se graus de sensação de dor e prazer dão origem a uma espécie de graus de direitos, segue-se não apenas que nem todos os seres humanos são iguais, mas que tampouco todas as pessoas humanas o são. Na realidade, não existem duas pessoas humanas com capacidades idênticas para dor e o prazer, haja vista que nossas experiências parecem ser condicionadas por experiências anteriores, crenças e hábitos culturais. Em conclusão, essa versão do argumento da sensibilidade solapa os direitos iguais para todos. Factualmente, a capacidade de sentir dor em nada parece necessário para se ter interesses e direitos.
          A título de exemplo, o ideal estoico era tornarmo-nos imunes às emoções humanas. Ora, se alguém fosse bem-sucedido nisso, teria seu direito à vida ceifado? Claro que se poderia utilizar o termo “sentir” com significados diferentes, a saber, como ter sensações auditivas e visuais. Todavia, ninguém discordaria que seres humanos cegos ou surdos sejam, de fato, pessoas. Não obstante, existem ainda pessoas impossibilitadas, geneticamente, de sentir dor – a saber, a síndrome de Riley-Day. Embora rara, soa absurdo alegar que seus portadores não são dignos de respeito, nem deveriam ter direito à vida, mesmo que também fossem cegos, surdos e insensíveis ao prazer. Em suma, a capacidade de sentir também se mostra como um frágil marcador para a pessoalidade.

14 O Critério da Aparência Humana

          Há quem utilize ainda o critério da aparência humana. Fetos humanos, no começo, e embriões, não têm bocas, narizes, olhos ou braços. Nesse sentido, não há qualquer semelhança com um ser humano desenvolvido. Nas palavras de Roger Wertheimer:

É um borrão amorfo de protoplasma aparentemente coagulado. Não tem olhos ou ouvidos, nem nada de cabeça. Não anda, não fala; você não pode vesti-lo nem lhe dar banho. Ora, não se qualifica nem como uma boneca Barbie (1971, p. 74).

          O reconhecimento que os seres humanos têm para com seus semelhantes seria, portanto, fundamental em determinar seu comportamento. Todavia, quando a aparência do feto humano é adequadamente humana? Novamente, isso é altamente controverso. Talvez, ocorra no primeiro trimestre, ou talvez só perto do fim da gravidez. De qualquer maneira, uma vítima de queimadura com sua aparência repelente ou sequer imediatamente reconhecível como humana, tem o seu direito à vida assegurado tal como qualquer modelo da Victoria’s Secret. Do mesmo modo, o homem com o rosto destruído pelo câncer, o leproso, a líder de torcida e a miss universo têm igual direito de não serem mortos. Em conclusão, devemos basear nossos julgamentos éticos não em aparências, mas na própria realidade.
          Aqui, poder-se-ia ainda estender-se a um critério de aparência de estatura. O tamanho do embrião humano ou zigoto define o seu peso moral? Alguém pode, honestamente, crer que algumas células – um punhado delas – são um ser humano? Aparentemente, sim. Da perspectiva biológica, o tamanho do ser não importa para determinar a que espécie ele pertence. Certamente, um recém-nascido é menor que um menino de 10 anos, que, por sua vez, é menor que um adulto. Todavia, cada um destes é verdadeiramente uma pessoa. Ninguém, em sã consciência, afirma que gigantes sejam mais plenamente humanos, e assim é difícil de ver porque o tamanho deveria ser decisivo quando se consideram seres pequenos. Se, por ventura, adultos fossem encolhidos a um tamanho pequeno, ninguém lhes negaria direito à vida. Nesse sentido, o tamanho parece ser completamente irrelevante para a pessoalidade.

15 O Critério do Desenvolvimento Cerebral

          Segundo Baruch Brody, não se pode ser biologicamente humano sem se possuir um cérebro. Nesse sentido, se não há cérebro ativo, não há ser humano, e, consequentemente, nem pessoa humana (1975). Assim sendo, até o desenvolvimento do cérebro, ainda no primeiro trimestre, o feto humano não teria direito algum. Ora, por que o cérebro é característica essencial da pessoa humana? Segundo Boonin, assim como remover um dos três lados de uma figura faz que deixe de ser triângulo e ajuntar um terceiro lado à figura de dois lados faz dela um triângulo, semelhantemente, morremos como pessoa humana quando o cérebro morre e começamos a vida pessoal quando o cérebro começa a atuar (SAVULESCU 2002). Será que a morte cerebral total é critério da morte do ser humano? Segundo o neurologista D. Alan Shewmon:

A lógica hegemônica para igualar morte cerebral com morte pessoal é que o cérebro dá unidade integradora ao corpo, transformando-o de mero conjunto de órgãos e tecidos em organismo como um todo. Em apoio a essa conclusão, frequentemente, se cita a impressionante lista de miríade de funções integradoras do cérebro. Em exame mais meticuloso e depois da definição operacional de termos, de qualquer modo, se descobre que, em sua maioria, as funções integradoras do cérebro não são na realidade somaticamente integradoras e, reciprocamente, em sua maioria, as funções somaticamente integradoras do corpo não são mediadas pelo cérebro. Com respeito à vitalidade do nível do organismo, o papel do cérebro é mais harmonizador do que constitutivo, melhorando a qualidade e o potencial de sobrevivência de um organismo que se pressupõe vivo. A unidade integradora de um organismo complexo inerentemente não se pode localizar, é feição holística empenhando a interação mútua entre partes, não coordenação de cima para baixo ditada por uma parte sobre a multiplicidade passiva de outras partes. A perda da unidade integradora somática não é razão que se possa alegar fisiologicamente para igualar morte cerebral com morte do organismo como um todo (2001, p. 457).

          Ainda que a morte cerebral seja o meio legal para determinar a morte, ela não parece ser um bom caminho para indicar quando começa a vida pessoal. Stephen Schwarz cita que se usa a morte cerebral como critério para determinar a morte da pessoa porque o ser humano não vai mais poder atuar como pessoa no futuro. Por outro lado, se há potencialidade para a atividade humana, o caso parece ser muito diferente. Se o cérebro apenas temporariamente não está funcionando adequadamente e o ser humano vai ser capaz de desabrochar no futuro, não ocorreu morte cerebral. Esse é precisamente o caso do feto ou embrião humano. A ausência de atividade não é permanente, mas temporária, por falta de amadurecimento. Assim, o status fetal é similar ao coma temporário.
          Não obstante, se o cérebro é critério para a pessoalidade, minhocas, vespas e formigas seriam contempladas como pessoas, mas dificilmente alguém as contará como sendo-as. Ainda assim, o desenvolvimento do cérebro parece se estender à infância. Logo, se o critério é o total desenvolvimento do cérebro, o infanticídio está, mais uma vez, justificado.

16 O Critério da Implantação

          O critério da implantação consiste no aninhamento do embrião à parede do útero. Muitas vezes, a clonagem reprodutiva cria um embrião humano visando implantá-lo no útero da mulher. Nesse sentido, se a pessoalidade humana começa com a implantação, a clonagem terapêutica seria admissível, embora destrua um embrião humano. Ora, por que a implantação seria importante? Segundo Nathanson:

Bioquimicamente é quando alfa [o zigoto humano] anuncia sua presença como parte da comunidade humana por meio de sua mensagem hormonal que agora já temos tecnologia de captar. Também sabemos bioquimicamente que ele é um organismo distinto do de sua mãe (1979, p. 216).

          Por séculos, o critério para a chegada do embrião foi a mexida. Todavia, com o advento da tecnologia, isso mudou. De todo modo, agora é possível constatar a gravidez a partir da implantação. O critério da implantação pareceria permitir o aborto apenas nos estágios muito iniciais da gravidez, bem como legitimar abortos por meio de pílulas de controle de natalidade. Todavia, a implantação no útero marca o começo da pessoalidade, já que somente na implantação se pode detectar o embrião pela tecnologia atual?
          Ironicamente (porque usualmente se diz que estar ligado à mãe faz do ser humano no útero uma não pessoa), o critério adotado requer que o feto não esteja ligado à progenitora. De qualquer maneira, a implantação parece não ser critério suficiente par a pessoalidade. Se úteros artificiais se tornarem realidade, será possível um ser humano se desenvolver da concepção ao nascimento sem estar ligado a uma mãe. Por consequência lógica, crianças que se desenvolverem dessa maneira jamais atingiriam a pessoalidade.
          Um problema adicional com a implantação é a inclusão excessiva. Se a implantação no útero constitui pessoalidade, temos de estendê-la a muitos animais, como ratos, que desenvolvem suas crias no útero. Poder-se-ia dizer, claro, que isso não significa nada, pois são embriões de “ratas”, e não humanos. Todavia, isso é atribuir significado moral decisivo a ser membro da espécie Homo sapiens, e isso é justamente o que a convenção pró-escolha quer evitar.

17 Todos os Seres humanos são Pessoas?

          Todos os seres humanos são pessoas? Essa pergunta tem, ao menos, dois desdobramentos. O primeiro moral e o segundo biológico. Quase todos concordam que sim. Se não há diferença ética relevante entre eu e você, então parece injusto nós sermos tratados como pessoas e o outro não. Se os critérios apresentados ao longo desse artigo falham, então não parece haver diferença ética relevante entre seres humanos em diversas etapas de desenvolvimento em que alguns seres humanos não seriam pessoas. Se a dignidade e o valor moral da pessoa humana não começam depois do nascimento, nem no nascimento, nem em algum momento durante a gestação, então a pessoalidade humana começa na concepção. Daí, conclui-se que todos os seres humanos são também pessoas humanas.
          Alguns questionam essa visão da seguinte maneira: “afirmar a superioridade de nosso conjunto, definido quer por pertença à espécie, raça, gênero, nacionalidade ou religião, parece não só injustificado, mas injustificável (HARRIS, HOLM 2003, p. 119). De certa forma, na visão dos objetores, falar em dignidade humana é cair na falácia do Especismo. Todavia, essa objeção se funda em duas confusões: a primeira parece ser meramente linguística. É verdade que racismo e sexismo são ruins, mas daí não se pode simplesmente atribuir “ismo” a toda classe de características para criar um marco moralmente ilegítimo. Afinal, os defensores do aborto endossam, a título de exemplo, a sensciência.
          Em segundo lugar, mesmo que o Especismo fosse eticamente problemático, o compromisso com a dignidade de todos os seres humanos não implica em negar a dignidade de qualquer outro grupo de seres simplesmente por não serem humanos. Em outras palavras, não se diz que somente humanos são valiosos. A crença de que todos os seres humanos são dignos simplesmente não compromete a ideia de que apenas seres humanos tenham dignidade e direitos. A natureza humana é condição suficiente, mas não necessária para ter direitos.

18 As Teorias da Pessoalidade

          A pergunta colocada no tópico anterior persiste e é extremamente importante. De fato, responde-la parece pressupor, em alguma medida, uma teoria da pessoalidade. A princípio, existem duas teorias correntes: o dom e a realização. De acordo com a primeira, cada ser tem valor moral inerente simplesmente em força de ser o que é. Por dom, entende-se que o ser em pauta tem uma orientação intrínseca para a atividade auto expressiva (CLARKE 1995, p. 105). São seres com dons que os orientam para valores morais, como racionalidade, autonomia, respeito e, através desses, se incluem como membros da comunidade moral. A segunda teoria nega isso e sustenta que se deve prestar respeito a um ser se, e somente se, esse ser funciona de determinada maneira.
          No que tange aos seres humanos, a visão do dom parece ser inclusiva, ao passo que a ótica da realização aparenta ser exclusiva. De acordo com a primeira, todos os seres humanos, sem se olhar qualquer consideração, têm igual dignidade fundamental pela qual se lhes deve respeito. De acordo com a segunda, nem todos os seres humanos merecem respeito, nem participam da dignidade fundamental, mas somente os seres humanos portadores de certas características particulares. Não obstante, a visão exclusiva não especifica quantas e quais características geram pessoalidade. De fato, parece haver pouco acordo sobre quais características constituem a pessoalidade. Não obstante, em meio a tanta divergência – estética, desejabilidade, produtividade, atividade, cerebral, linguagem, idade, saúde, religião, raça, fertilidade – os critérios parecem servir muito bem não somente ao aborto, mas também ao infanticídio.
          Ainda assim, a referida visão parece pressupor que seres humanos diferem amplamente em graus, sendo mais ou menos inteligentes, capazes mais ou menos de sentir, mais ou menos desenvolvidos fisicamente, mais ou menos independentes, mais ou menos autoconscientes e mais ou menos queridos pelos outros. Obviamente, isso exclui boa parte dos seres humanos da pessoalidade. De qualquer maneira, a visão exclusiva nega que todos os seres humanos tenham sido criados iguais e dotados com certos direitos inalienáveis. Ora, como se poderia chegar à conclusão de que todas as pessoas são fundamentalmente iguais se partilham de forma desigual do atributo ou dos atributos que fundamentam a pessoalidade?
          Além de não sustentar, a título de exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a visão de realização não só parece dividir os seres humanos uns contra os outros, mas separa as pessoas entre elas. Se a capacidade de sentir dá origem aos direitos e nem todas as pessoas têm a mesma capacidade de sentir, segue-se que nem todas as pessoas gozam igualmente de direitos. Aceitar a visão de realização parece ser incoerente até mesmo com a afirmação de que todos são iguais perante a lei, ou moralmente iguais, a não ser por um decreto arbitrário que também se pode negar arbitrariamente. Muitos defensores do aborto reconhecem o grave problema, por exemplo, McMahan:

Tudo isso me deixa profundamente desconfortável. Parece virtualmente impensável abandonarmos nossos compromissos igualitários ou mesmo aceitar que só se justifiquem de forma indireta – por exemplo porque, consideradas todas as coisas, no fundo é melhor tratar todos como iguais e inculcar a crença de que somos todos moralmente iguais, embora realmente não o sejamos. No entanto, os desafios à tese da imoralidade igual, elemento central da moralidade liberal igualitária, dão base ao ceticismo sobre a compatibilidade de nossas crenças igualitárias tudo ou nada, com o fato de serem realidades graduais todas as propriedades sobre as quais aparece se construindo o nosso estatuto moral. É difícil evitar o sentimento de que nossos compromissos igualitários se fundam em bases aflitivamente inseguras (2008, p. 104).

          O próprio McMahan reconhece, portanto, a implacável discriminação política e social que surge ao se negar a igualdade fundamental de um grupo de pessoas humanas. Em contrapartida, a visão do dom se aplica igualmente a todos os seres humanos, que, a despeito de suas diferenças, permanecem orientados para razão e liberdade, mesmo quando essa orientação não tem como ser expressada (por imaturidade, doença, sono, deficiência e outros). Ser orientado para razão e liberdade é ter o próprio florescimento e gozar de bens inalienáveis como a amizade e o conhecimento da verdade. Se cada ser humano é reconhecido como pessoa com base simplesmente no dom pessoal, então também se evita o problema em que a pessoalidade, de alguma maneira bem estranha, vai e vem.
          Se entendemos uma pessoa como membro de um conjunto de seres racionais e livres, todos os problemas abordados até aqui desaparecem. A leitura do dom não é uma visão religiosa confessional, mas está antes implícita na medicina (vide o conceito de patologia). Patologia é incapacidade, inadequação ou falha em realizar uma disposição que, nas circunstâncias relevantes, pode e deve ser realizada, dada a dotação do ser em pauta. Pássaros não podem falar, mas nem por isso estão sofrendo de patologia. Um ser humano que, devido a um acidente, não pode falar, está sofrendo de patologia física ou mental. Nesse sentido, a medicina apela e tem apelado para dons que um determinado ser pode e deve ser capaz de atuar, dadas as condições requeridas.
          À luz da teoria do dom, incorre-se em violação de direitos quando alguém, intencionalmente, dificulta o desabrochar humano. Matar você impede seu desabrochar porque estar vivo é necessário para fazê-lo, e faz parte do seu florescimento. Assim, é ruim matar você. Assim, é ruim matar qualquer outro ser que partilha um florescimento como o seu. Essa norma então excluiria a morte intencional de todos os seres humanos inocentes e de todo outro ser que partilha um florescimento como o seu.

19 Quando nos Tornamos Humanos?

          Embora já tenhamos respondido à questão da pessoalidade, resta saber como isso se aplica à questão do aborto. Logo, a questão titular do tópico surge. Faz-se necessário clarificar que essa questão não é moral (como a questão da pessoalidade), mas estritamente científica. Nesse sentido, por força metodológica, a resposta será igualmente empírica. A rigor, existem inúmeros biólogos, cientistas em geral e médicos que nos muniram com respostas claras à pergunta do tópico. Consideremos algumas delas:

A formação, a maturação e o encontro de células sexuais masculinas e femininas são preliminares de sua união atual, numa célula combinada ou zigoto, que definitivamente marca o início de novo indivíduo. Essa penetração do óvulo pelo espermatozoide e o se juntarem e combinarem seus respectivos núcleos constitui o processo da fertilização (AREY  1974, p. 55)

Zigoto. Essa célula é o começo de um ser humano, resulta da fertilização de um óvulo pelo esperma. A expressão “óvulo fertilizado” se refere ao zigoto (MOORE 1987, p. 9).

A vida embrional começa com a fertilização e daqui o começo daquele processo se poder tomar como ponto de partida do estágio I (LARSEN 1993, p. 19).

Médicos, biólogos e outros cientistas concordam em que a concepção marca o início da vida de um ser humano – ser vivo e membro da espécie humana. O consenso é incontrastável nesse ponto em escritos médicos, biológicos e científicos sem conta (apud ALCORN 2000, p. 55. Lei 158 do Senado dos Estados Unidos da América).

          A descontinuidade radical ocorre ao se completar a fertilização, porque é então que um novo ser com 46 cromossomos, que antes não existiu, por primeiro agora vem à existência, e os gametas individuais – o óvulo com 23 cromossomos e o espermatozoide com outros 23 – cessam de existir. O embrião humano é classificado de forma própria como ser humano individual, e não como coleção de células humanas, um membro do grupo Homo sapiens, e não simplesmente um punhado de células de origem humana (CONDIC 2003, p. 52). Em suma, o embrião humano é um todo, organismo completo, ser humano individual vivo cujas células trabalham juntas num esforço cooperativo de autodesenvolvimento para a maturidade. Se todos os seres humanos são pessoas, então o embrião humano é, definitivamente, uma pessoa.

20 O Argumento da Propriedade Constitutiva

          O filósofo americano Christopher Kaczor elabora um argumento filosófico, em favor da vida, com base na pessoalidade (KACZOR, p. 102):

P1: Se um ser individual tem uma propriedade constitutiva em um ponto do tempo, segue-se que tem aquela propriedade em cada ponto de sua existência.

P2: Você é o mesmo ser vivo individual ou organismo que o zigoto do qual você se desenvolveu.

P3: Você é constitutivamente uma pessoa humana.

C: O zigoto de que você se desenvolveu era pessoa humana.
 
          Kaczor deixa claro que não há nada de especial nesse argumento que o faça aplicar-se só a você e não a cada outro ser humano. Seu intuito parece ser mostrar que cada feto humano é também pessoa humana. Ele começa demostrando que P1 é uma verdade por definição, haja vista que o que X tem constitutivamente, tem sempre que ser uma característica de X, do contrário, não seria característica constitutiva, mas acidental. Ele exemplifica que triângulos constitutivamente têm que ter três lados. Se uma figura não tem três lados, não é triângulo, ou não mais é. Assim, se uma figura é um triângulo, necessariamente, deve ter três lados desde o começo. Um exemplo de propriedade acidental seria um triângulo cujos lados tenham o mesmo tamanho (alguns triângulos têm lados iguais, outros não).
          Estabelecida a verdade de P1, o que Kaczor diz sobre P2? Você é o mesmo agora, com 10 dias de vida, com 10 anos de vida e em todos os estágios de sua vida? Parece sensato afirmar que se você sofre um ferimento permanente enquanto feto, futuramente, sofrerá por conta desse mesmo dano causado ainda no útero. Alguns filósofos, como Singer, disputam P2 dizendo que a continuidade como pessoa é mental-dependente. Em outras palavras, a concepção de identidade pessoal supõe que “eu” sou apenas meus conceitos, memórias, pensamentos, mas não minha realidade corporal. No entanto, parecem haver boas razões para se negar isso.
          Se você acordasse amanhã com personalidade e memórias diferentes, os outros não concluiriam que você era outra pessoa, porém mais que você é a mesma de antes sofrendo de uma doença mental de algum tipo. Se a explicação proposta por Singer for verdadeira, então um agressor, ao atacar o corpo de uma pessoa por estupro, tortura ou mutilação, o agressor não estaria realmente fazendo mal a uma pessoa que é apenas “o espírito dentro da máquina”. Somente constituiria um dano àquilo que se consideraria propriedade da pessoa. No entanto, é evidente que estupros e mutilações fazem danos diretos às pessoas, mesmo que elas não se lembrem de nada. Intuições como essas apontam para a conclusão de que nós somos, e não simplesmente usamos nossos corpos.
          Assim sendo, se P1 e P2 são verdade, tudo o que resta a demonstrar é P3: você é constitutiva ou essencialmente pessoa. Se “pessoa” se define como “substância individual de natureza racional” (Boécio) ou “ser dotado de liberdade, mesmo se não a exerce” (Kant), então P3 seria verdadeiro por definição, visto que o que se é por dotação ou natureza é constitutivo do ser em questão. Se “pessoa” se define por membro de categoria racional de ser, então também é o caso, você constitutivamente é pessoa. Ser membro desse conjunto de seres (humanos) significa, portanto, ser pessoa. Nesse sentido, somente se pode deixar de sê-lo se deixar de existir.
          Boonin retruca P3 dizendo que, se seres humanos em coma irreversível tem o mesmo direito à vida que você e eu, a pena capital é sempre iníqua (BOONIN 2003, p.55; MARQUIS, 2007, p. 396). Logo, aceitar P3 compromete com visões sobre eutanásia, suicídio assistido, tratamento de seres humanos em coma questionáveis, inaceitáveis ou ao menos inconsistentes com a posição de muitos que se opõem ao infanticídio. Todavia, parece-me que quase todos os críticos do aborto também se opõem à eutanásia e outras posições similares. Embora isso seja verdade, ainda há a relação causal entre valores, tema este que será abordado no próximo tópico.
          Em suma, o argumento da propriedade constitutiva de Kaczor parece ser bem-sucedido em mostrar que cada ser humano é pessoa. Se um ser individual tem uma propriedade constitutiva num ponto no tempo, segue-se que tem aquela propriedade em todos os momentos da existência. Você é constitutivamente, ontologicamente pessoa. Não obstante, você é o mesmo ser humano vivo individual que o feto do qual você se desenvolveu. Assim, segue-se que o feto do qual você se desenvolveu era pessoa, e como nada no argumento depende de característica individual exclusiva sua, isso vale para todo feto humano, corroborando assim a teoria do dom.

21 Um Embate de Direitos

          É inegável que existem casos difíceis de aborto, tais como deformidade fetal, estupro, incesto, risco de vida materna e outros. Como tais, merecem as devidas considerações. Seria arrogante, de fato, julgar as mulheres nas referidas circunstâncias e declará-las moralmente indignas por verem o aborto como a única saída. Todavia, a não ser que se conheça o entendimento e a intenção da pessoa em questão, nunca se pode fazer o julgamento moral definitivo da culpabilidade ética.
          Todavia, devemos ter em mente o objeto central da discussão, que é o status antropológico do ser humano no útero. Ora, a pessoalidade do feto não depende de modo algum da concepção no seio da família boa ou miserável, de ser a mulher rica ou pobre, de se dar em meio a grandes oportunidades ou em um momento de esperanças perdidas. Nesse sentido, o argumento das circunstâncias não diminui ou atinge a pessoalidade de qualquer modo. Warren escreve:

No melhor dos casos, é moralmente questionável deixar matar seres humanos que têm direito à vida simplesmente para evitar consequências ruins para outros seres humanos. Seguramente, ninguém está autorizado a matar um ser humano inocente que nada fez para ceder seu direito à vida ou o ter cassado (1998, p. 129).

          Se o feto humano não é pessoa, nem se precisa de circunstâncias ou justificativas para o aborto. Todavia, se ao feto se atribui um status moral – mesmo de uma criança de 6 anos – as circunstâncias difíceis não autorizam, em nenhuma hipótese o término de sua vida. Entre os que afirmam a igualdade fundamental de todos os seres humanos é amplamente aceita a ideia de que alguns abortos indiretos são justificados. A título de exemplo, algumas mulheres utilizam o valor da liberdade sobre o direito à vida. No entanto, em uma relação causal, esse embate parece tender ao último. Bernard Nathanson argumenta:

Em moral, a vida só pode ser equiparada com a vida, não com a conveniência, a sociologia, a política, a economia, a pobreza, [...] ao argumentar em questão de vida só se pode invocar razões de vida para contrabalançá-la (NATHANSON 1979, p. 240).

          Salvar a vida da mãe é, portanto, razão proporcional para deixar morrer um ser humano no útero, todavia, a liberdade não parece ser. Em termos de relação causal, sem vida, não é possível ter liberdade. O direito à vida parece, portanto, ser o alicerce de todos os outros valores morais, pois condiciona o exercício destes. Em conclusão, as situações difíceis não parecem ser suficientes para solapar o direito maior à vida, inalienável a toda e qualquer pessoa humana.

22 Considerações Finais

          Após uma vasta exposição crítica sobre os argumentos pró-escolha, foi possível estabelecer que muitos destes, em favor do aborto, parecem se encaixar perfeitamente na defesa do infanticídio. Do mesmo modo, foi possível observar que sempre incorrem em critérios arbitrários e excludentes, que solapam, injustificadamente, os direitos de seres humanos. Não obstante, a teoria da realização parece estabelecer valores diferentes para seres humanos, ao passo que se diz, contraditoriamente, que estes são iguais perante a lei. À medida que valores diferentes são dados aos seres humanos, tem-se uma hierarquia de tratamento e de direitos, o que vai contra os princípios mais fundamentais da humanidade – dignidade e igualdade – tão bem expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em conclusão, se o feto é uma pessoa – como parece ser – o aborto passa a ter implicações reais. Se o termo “assassinato” consiste em cessar deliberadamente a vida de uma pessoa inocente, o aborto – por consequência lógica – passa a ser assassinato, não importando as circunstâncias. Nesse sentido, casos como assassinato de mulheres grávidas e o próprio aborto constituem graves violações aos direitos inalienáveis do feto – e pessoa – humano.

Referências Bibliográficas:

BOONIN, David. A Defense of Abortion. Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press, 2003;
CAVANAUGH, Thomas. The Intended/Foreseen Distinction’s Ethical Relevance. Philosophical Papers, 25)3_, 179-1996;
GREEN, Ronald. The Human Embryo Research Debates: Bioethics in the Vortex of Controversy. Oxford: Oxford University, 2001;
KACZOR, Christopher. Proportionalism and the Natural Law Tradition. Washington DC: The Catholic University of America Press, 2002;
KACZOR, Christopher. The Edge of Life: Human Dignity and Contemporary Bioethics. Dordrecht: Springer, 2005;
KACZOR, Christopher. The Ethics of Ectopic Pregnancy: A Critical Reconsideration of Salpingostomy and Methotrexate. Linacre Quarterly: A Journal of the Philosophy and Ethics of Medical Pratice, 76(3), 265-282, 2009;
KACZOR, Christopher. The Ethics of Abortion: Woman’s Right, Human Life and the Question of the Justice, 2011;
KANT, Immanuel. Grounding for the Metaphysics of Morals;
McMAHAN, Jeff. The Ethics of Killing: Problems at the Margins of Life. Oxford: Oxford University Press, 1996;
McMAHAN, Jeff. Animals. In: FREY, R. G., WELLMAN, Christopher Heath (Orgs.), A companion to Applied Ethics. Malden, MA: Blackwell Publishing, 2003;
McMahan, Jeff. Summary of the Ethics of Killing: Problems at the Margins of Life. Philosopyical Books, 46(1), 1-3, 2005;
McMahan, Jeff. Infanticide. Utilitas, 19(2), 1-29, 2007;
McMahan, Jeff. Challenges To Human Equality. The Journal of Ethics 12(1) 81-104, 2008;
NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery Pub, 2001;
NATHANSON, Bernard N. e OSTLING, Richard N. Aborting America. Toronto: Life Cycle Books, 1979;
NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Guidelines for Human Embryonic Stem Cell Research. Washington, DC: The National Academies Press, 2005;
ODERBERG, David. S. The Metaphysical Status of the Embryo: Some Arguments Revisited. Journal of Applied Philosophy, 24(4) 263-276, 2008;
ODERBERG, David. Applied Ethics: A Non-Consequentialist Approach. Oxford: Blackwell Publishers, 2000;
QUINN, Warren. Actions, Intentions and Consequences: The Doctrine of Double Effect. Philosophy and Public Affairs 18(4), 334-351, 1989;
SAVULESCU, Julian. Is Current Practice Around Late Termination of Pregnancy Eugenic and Discriminatory? Maternal Interests and Abortion. Journal of Medical Ethics, 27(3), 165-171, 2001;
SAVULESCU, Julian. Abortion, Embryo Destruction and the Future of Value Argument. Journal of Medical Ethics, 25(3), 133-135, 2002;
SCHWARZ, Stephen. The Moral Questiono f Abortion. Chicago: Loyola University Press, 1990;
SINGER, Peter. Practical Ethics. Cambridge: Cambridge University Press, 1970;
SINGER, Peter. Practical Ethics. 2. Ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1993;
SINGER, Peter. Rethinking Life & Death: The Collapse of Our Traditional Ethics. New York: St. Martin’s Press, 1994;
SINGER, Peter. Writings on an Ethical Life. New York. Ecco Press, 2000;
SINGER, Peter. WELLS, Deane. The Reproduction Revolution: New Ways of Macking Babies. Oxford: Oxford Univesity Press, 1984;
SINGER, Peter (Orgs.), Bioethics: Na Anthology. Oxford: Blackwell Publishers, 1999, p. 137-142;
STEINBOCK, Bonnie. Life before Birth: The Moral and Legal Status of Embryos and Fetuses. New York: Oxford University Press, 1992;
TOOLEY, Michael. Abortion and Infanticide. Oxford: Oxford University Press, 1983;
TOOLEY, Michael, WOLF-DEVINE, Celia, DEVINE, Philip E., JAGGAR, Alison M. Abortion: Three Perspectives. New York: Oxford University Press, 2009;
WARREN, Mary Anne. The Personhood Argument in Favor of Abortion, 1973, In: POJMAN, Louis P. (Org.) Life and Death: A Reader in Moral Problems. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Co. 2000, p. 261-267;
WARREN, Mary Anne. Do Potential Persons Have Rights? In: PARTRIDGE, Ernest (Org.), Responsibilities to Future Generations. Buffalo, NY: Prometheus Books, 1981, p. 261-274;
WARREN, Mary Anne. The Moral Significance of Birth. Hypatia, 4(3), 46-65, 1989;
WARREN, Mary Anne. On the Moral and Legal Status of Abortion. In: MUNSON, Ronald (Org.), Intervention and Reflection: Basic Issue in Medical Ethics. 5. Ed. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Co. The article originally appeared in The Monist, 57(1) (1973), 43-61, 1996;
WARREN, Mary Anne. Moral Status: Obligations to Persons and Other Living Things. Oxford: Clarendon Press, 1997;
WARREN, Mary Anne. Abortion. In: KUHSE, Helga, SINGER, Peter (Orgs.), A Companion to Bioethics. Oxford: Blackwell Publishers, 1998, p. 127-134;
WARREN, Mary Anne. Sex Selection: Individual Choice or Cultural Coercion? In: KUHSE, Helga;
WARREN, Mary Anne. The Moral Difference between Infanticide and Abortion: A Response to Robert Card. Bioethics, 14(4), 352-359, 2000;


Andrei S. Santos

Graduando em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense

You May Also Like

0 comentários