O Dilema do Naturalismo: o problema da justificativa do conhecimento
by
Andrei
- março 10, 2016
O Dilema do Naturalismo
Uma abordagem em C. S. Lewis e Alvin Plantinga
Na atualidade, observa-se que o naturalismo, junto ao antirrealismo e ao relativismo pós-moderno, domina a academia. Em tempos que, segundo os naturalistas, a ciência e a síntese moderna da evolução corroboram o naturalismo e soam como um convite a abraçá-lo, faz-se necessária a análise profunda. No entanto, para tal tarefa, irei sintetizar e reproduzir os pensamentos e argumentos de Lewis e Alvin Plantinga, figuras estas que foram os percursores de poderosos argumentos contra o naturalismo. O intuito do artigo, portanto, é verificar sua solidez.
Que o naturalismo está em uma dificuldade filosófica é um fato, e o é em diversos aspectos. No entanto, primeiramente, vamos nos concentrar no fato de que a evolução apoia de alguma maneira o naturalismo. A visão que defendo é: a evolução e o naturalismo são logicamente inconsistentes. Em outras palavras, não se pode racionalmente aceitar ambos. O problema, como muitos pensadores (C.S. Lewis, por exemplo) têm visto, é que o naturalismo parece nos conduzir a um ceticismo fundo e penetrante. Ele nos leva, inevitavelmente, à conclusão de que nossa cognição ou faculdades produtoras de crenças – memória, percepção, insight lógico, etc. – são duvidosas e não se pode confiar nelas para produzir uma preponderância de crenças verdadeiras sobre crenças falsas. Ora, pois, o próprio Darwin teve preocupações com esses assuntos:
“Comigo”, diz Darwin, “a dúvida horrível sempre surge se as convicções da mente do homem, as quais têm sido desenvolvidas da mente de animais inferiores, são de qualquer valor ou dignas de confiança. Poderia qualquer um confiar nas convicções da mente de um macaco, se houvesse qualquer convicção em tal mente?”
Claramente, esta dúvida surge para os naturalistas, mas não para aqueles que acreditam em um Ser criador. Isto porque se Deus nos criou à sua imagem, então, mesmo que ele tenha nos moldado por meios evolucionários, ele presumivelmente queria que nós parecêssemos com ele na capacidade de conhecer a verdade, mas então a maior parte do que nós acreditamos pode ser verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir daquelas dos animais inferiores. Por outro lado, há um problema real aqui para o naturalista evolucionista.
Se nós, seres humanos, somos objetos materiais, com nenhuma alma imaterial ou espiritual, logo, somos apenas nossos corpos, ou talvez algumas partes dos nossos corpos, tais como o nosso sistema nervoso, ou cérebros, ou talvez parte de nossos cérebros (o hemisfério direito ou esquerdo, por exemplo) ou talvez alguma parte ainda menor. Para fins argumentativos, vamos pensar no naturalismo como incluindo o materialismo. De acordo com os materialistas, crenças, juntamente com o resto da vida mental, são causadas ou determinadas pela neurofisiologia, pelo que acontece no cérebro e no sistema nervoso. A neurofisiologia, além disso, também causa o comportamento. De acordo com a história habitual, sinais elétricos seguem via nervos dos órgãos sensoriais até o cérebro. Lá, alguns processos continuam: impulsos elétricos vão via nervos eferentes do cérebro para outros órgãos incluindo músculos; em resposta a estes sinais, certos músculos se contraem, assim causando movimento e comportamento.
Agora, o que a evolução nos diz (supondo que nos diz a verdade) é que nosso comportamento (talvez mais exatamente o comportamento de nossos ancestrais) é adaptativo; desde que os membros de nossa espécie têm sobrevivido e se reproduzido, o comportamento de nossos ancestrais foi conduzido, no seu meio, à sobrevivência e à reprodução. Portanto, a neurofisiologia que causou este comportamento era também adaptativa; nós podemos sensatamente inferir que permanece adaptativa. O que a evolução nos diz, portanto, é que nosso tipo de neurofisiologia promove ou causa comportamento adaptativo, o tipo de comportamento que resulta em sobrevivência e reprodução. Agora, esta mesma neurofisiologia, de acordo com o materialista, também pode causar crenças. Esse é o ponto: a seleção natural premia o comportamento adaptativo (premia-o com sobrevivência e reprodução) e penaliza comportamentos mal-adaptativos, ele não se importa nem um pouco a respeito da crença verdadeira. Como Francis Crick, o co-descobridor do código genético, escreve no livro The Astonishing Hypothesis:
“Nossos cérebros altamente desenvolvidos, consequentemente, não evoluíram sob a pressão da verdadeira descoberta científica, mas apenas nos possibilitam a ser sagazes o bastante para sobreviver e deixar descendentes”.
Retomando este tema, a filósofa naturalista Patrícia Churchland declara que a coisa mais importante sobre o cérebro humano é que ele evoluiu; portanto, ela diz que a sua principal função é possibilitar ao organismo mover-se apropriadamente. Resumindo o essencial, o sistema nervoso possibilita o organismo ter êxito nos quatro aspectos: alimentação, fuga, luta e reprodução. O cerne principal do sistema nervoso é colocar as partes do corpo onde elas deveriam estar, a fim de que o organismo possa sobreviver. Melhoramentos no controle sensório-motor conferem uma vantagem evolucionária: um estilo imaginativo de representação é vantajoso na medida em que está engrenado no modo de vida do organismo e aumenta as suas chances de sobrevivência. Em síntese, a verdade, ou que quer que seja, definitivamente, não importa.
A seleção natural não se preocupa acerca da verdade ou da falsidade de suas crenças, mas preocupa-se apenas com o comportamento adaptativo. Suas crenças podem todas ser falsas - ridiculamente falsas. Se seu comportamento é adaptativo, você sobreviverá e reproduzirá. Considere um sapo sentado sobre uma vitória régia. Uma mosca o ignora; o sapo estende sua língua e a captura. Talvez a neurofisiologia que causa isto dessa maneira, também cause crenças. Até onde a sobrevivência e a reprodução sejam levadas em conta, isto não importará em absoluto o que essas crenças são: se a neurofisiologia adaptativa causa uma crença verdadeira (por exemplo, aquelas coisas pequenas e pretas são boas de comer), ótimo. Mas se causa uma crença falsa (por exemplo, se eu capturar a mosca correta, eu me transformarei em um príncipe), isto também está ótimo. De fato, a neurofisiologia em questão pode causar crenças que não tem nada a ver com as circunstâncias presentes da criatura (como no caso de nossos sonhos); enquanto a neurofisiologia causar comportamento adaptativo, isto também está ótimo. Tudo que realmente importa, no que diz respeito à sobrevivência é à reprodução, é que a neurofisiologia cause o tipo certo de comportamento; se ela também causa crença verdadeira (em vez de crença falsa) é irrelevante.
Agora, calculemos a probabilidade de que uma crença, nesse contexto, seja verdadeira. Bem, o que nós sabemos é que uma crença em questão é produzida pela neurofisiologia adaptativa, isto é, neurofisiologia que produz comportamento adaptativo. Mas como nós temos visto, isto não nos dá nenhuma razão para pensar que essa crença seja verdadeira (e nenhuma para pensar que seja falsa). Nós devemos supor, portanto, que a crença em questão tem tanta probabilidade de ser falsa quanto de ser verdadeira; a probabilidade de qualquer crença particular ser verdadeira está perto de 1/2. Mas então, adicionamos aqui o fato de que é solidamente improvável que as faculdades cognitivas dessas criaturas produzam preponderantemente crenças verdadeiras sobre falsas conforme exigido pela confiabilidade. Se eu tenho 1.000 crenças independentes, por exemplo, e a probabilidade de qualquer crença particular ser verdadeira é 1/2, então a probabilidade de que 3/4 ou mais dessas crenças são verdadeiras (certamente uma exigência modesta o bastante para confiabilidade) será pouco menos do que 10(-58). E mesmo se eu estivesse trabalhando com um modesto sistema epistêmico de apenas 100 crenças, a probabilidade de que 3/4 delas sejam verdadeiras, dado que a probabilidade de qualquer um seja verdadeira é de 1/2, é muito baixa, alguma coisa como 0,000001. Então as chances de que as crenças verdadeiras dessas criaturas substancialmente sobrepujem suas falsas crenças (mesmo numa área particular) são pequenas. A conclusão retirada é que é extremamente improvável que suas faculdades cognitivas sejam confiáveis.
Mas é claro que este mesmo argumento poderá também ser destinado a nós. Se o naturalismo evolucionista é verdadeiro, então a probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis é também muito baixa. E isto significa que alguém que aceite o naturalismo evolucionista tem um obstáculo para a crença de que as faculdades cognitivas dela são confiáveis: uma razão para desistir daquela crença, para rejeitá-la, para não mais sustentá-la. Se não existir um obstáculo para aquele obstáculo – um obstáculo-obstáculo, poderíamos dizer – ela não poderia racionalmente acreditar que as faculdades cognitivas dela são confiáveis. Sem dúvida que ela não poderia deixar de acreditar que elas são; sem dúvida ela de fato continuaria a acreditar nisso; mas a crença seria irracional. E se ela possui um obstáculo para a confiabilidade de suas faculdades cognitivas, ela também tem um obstáculo para qualquer crença que sejam produzidas por estas faculdades – as quais, é claro, são todas as suas crenças.
Se ela não pode confiar nas suas faculdades cognitivas, ela tem uma razão, à respeito de cada uma de suas crenças, para desistir delas. Ela está, portanto, enredada num ceticismo profundo e abismal. Uma de suas crenças, contudo, é a sua crença no próprio naturalismo evolucionista; de modo que ela também tem um obstáculo para esta crença. O naturalismo evolucionista, portanto – a crença numa combinação de naturalismo e evolução – é auto-refutante e auto-destrutivo. Portanto você não pode racionalmente aceita-lo. Por todos estes argumentos apresentados, ele pode ser verdadeiro; mas é irracional sustentá-lo. Assim o argumento não é um argumento para a falsidade do naturalismo evolucionista; ao invés disso, para a conclusão de que não se pode racionalmente acreditar naquela proposição. A evolução, portanto, longe de sustentar o naturalismo, é incompatível com ele, nesse sentido que você não pode racionalmente acreditar em ambos.
É um fato bruto que nós podemos aprender sobre o mundo à nossa volta através de nossos sentidos. Nós experimentamos o calor, o som, as cores e outras pessoas. Nós sintetizamos e tomamos conhecimento dessas coisas dentro de nossas mentes. Dessas experiências, nós fazemos deduções sobre o mundo: deduzimos os cursos evolutivos a partir dos fósseis; inferimos a existência de nossos próprios cérebros a partir do que achamos dentro de crânios de outras criaturas parecidas conosco, etc; Em síntese, nós fazemos ciência. Nós deduzimos e obtemos verdades à posteriori.
Mas o que é uma dedução? Podemos afirmar que uma dedução é uma estrutura lógica. Nós vemos fósseis de dinossauros com nossos olhos, mas deduzimos sua preexistência com nossas mentes. Nós entendemos que se todos os homens são mortais e Platão é um homem, então Platão é mortal. Quando consideramos esse argumento, não estamos observando o mundo à nossa volta. Estamos notando relações lógicas entre proposições que obteríamos em qualquer mundo possível. Proposições são alegações sobre certas situações, mas não são as situações em si. A proposição Colombo navegou pelo oceano azul traz um estado de coisas de uma situação ocorrida em algum momento em 1492. “Em 1942, Colombo navegou o oceano azul” é uma formulação em português de uma proposição verdadeira que afirma aquela situação específica. Quando concluímos que Platão é mortal, estamos certos de que as proposições que formam a premissa são verdadeiras, consequentemente a conclusão será obrigatoriamente verdadeira. Se tais inferências cotidianas não forem possíveis e confiáveis, não poderemos adquirir conhecimento. Aqui, Lewis afirma:
“Todo o conhecimento possível… depende da validade do raciocínio. Se o sentimento de certeza expresso por palavras como tem que ser, portanto e uma vez que é uma percepção real de como as coisas fora de nossas próprias mentes realmente ‘devem’ ser, ótimo. Mas, se essa certeza é simplesmente um sentimento dentro de nossas mentes e não uma compreensão genuína de realidades além delas – se a certeza representa simplesmente a maneira que nossas mentes por acaso funcionam – então não obteremos o conhecimento. Se o raciocínio humano não é válido, nenhuma ciência é verdadeira.”
Introdução
Que o naturalismo está em uma dificuldade filosófica é um fato, e o é em diversos aspectos. No entanto, primeiramente, vamos nos concentrar no fato de que a evolução apoia de alguma maneira o naturalismo. A visão que defendo é: a evolução e o naturalismo são logicamente inconsistentes. Em outras palavras, não se pode racionalmente aceitar ambos. O problema, como muitos pensadores (C.S. Lewis, por exemplo) têm visto, é que o naturalismo parece nos conduzir a um ceticismo fundo e penetrante. Ele nos leva, inevitavelmente, à conclusão de que nossa cognição ou faculdades produtoras de crenças – memória, percepção, insight lógico, etc. – são duvidosas e não se pode confiar nelas para produzir uma preponderância de crenças verdadeiras sobre crenças falsas. Ora, pois, o próprio Darwin teve preocupações com esses assuntos:
“Comigo”, diz Darwin, “a dúvida horrível sempre surge se as convicções da mente do homem, as quais têm sido desenvolvidas da mente de animais inferiores, são de qualquer valor ou dignas de confiança. Poderia qualquer um confiar nas convicções da mente de um macaco, se houvesse qualquer convicção em tal mente?”
Charles Darwin
Claramente, esta dúvida surge para os naturalistas, mas não para aqueles que acreditam em um Ser criador. Isto porque se Deus nos criou à sua imagem, então, mesmo que ele tenha nos moldado por meios evolucionários, ele presumivelmente queria que nós parecêssemos com ele na capacidade de conhecer a verdade, mas então a maior parte do que nós acreditamos pode ser verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir daquelas dos animais inferiores. Por outro lado, há um problema real aqui para o naturalista evolucionista.
Evolução x Naturalismo
Se nós, seres humanos, somos objetos materiais, com nenhuma alma imaterial ou espiritual, logo, somos apenas nossos corpos, ou talvez algumas partes dos nossos corpos, tais como o nosso sistema nervoso, ou cérebros, ou talvez parte de nossos cérebros (o hemisfério direito ou esquerdo, por exemplo) ou talvez alguma parte ainda menor. Para fins argumentativos, vamos pensar no naturalismo como incluindo o materialismo. De acordo com os materialistas, crenças, juntamente com o resto da vida mental, são causadas ou determinadas pela neurofisiologia, pelo que acontece no cérebro e no sistema nervoso. A neurofisiologia, além disso, também causa o comportamento. De acordo com a história habitual, sinais elétricos seguem via nervos dos órgãos sensoriais até o cérebro. Lá, alguns processos continuam: impulsos elétricos vão via nervos eferentes do cérebro para outros órgãos incluindo músculos; em resposta a estes sinais, certos músculos se contraem, assim causando movimento e comportamento.
Agora, o que a evolução nos diz (supondo que nos diz a verdade) é que nosso comportamento (talvez mais exatamente o comportamento de nossos ancestrais) é adaptativo; desde que os membros de nossa espécie têm sobrevivido e se reproduzido, o comportamento de nossos ancestrais foi conduzido, no seu meio, à sobrevivência e à reprodução. Portanto, a neurofisiologia que causou este comportamento era também adaptativa; nós podemos sensatamente inferir que permanece adaptativa. O que a evolução nos diz, portanto, é que nosso tipo de neurofisiologia promove ou causa comportamento adaptativo, o tipo de comportamento que resulta em sobrevivência e reprodução. Agora, esta mesma neurofisiologia, de acordo com o materialista, também pode causar crenças. Esse é o ponto: a seleção natural premia o comportamento adaptativo (premia-o com sobrevivência e reprodução) e penaliza comportamentos mal-adaptativos, ele não se importa nem um pouco a respeito da crença verdadeira. Como Francis Crick, o co-descobridor do código genético, escreve no livro The Astonishing Hypothesis:
“Nossos cérebros altamente desenvolvidos, consequentemente, não evoluíram sob a pressão da verdadeira descoberta científica, mas apenas nos possibilitam a ser sagazes o bastante para sobreviver e deixar descendentes”.
Francis Crick
Retomando este tema, a filósofa naturalista Patrícia Churchland declara que a coisa mais importante sobre o cérebro humano é que ele evoluiu; portanto, ela diz que a sua principal função é possibilitar ao organismo mover-se apropriadamente. Resumindo o essencial, o sistema nervoso possibilita o organismo ter êxito nos quatro aspectos: alimentação, fuga, luta e reprodução. O cerne principal do sistema nervoso é colocar as partes do corpo onde elas deveriam estar, a fim de que o organismo possa sobreviver. Melhoramentos no controle sensório-motor conferem uma vantagem evolucionária: um estilo imaginativo de representação é vantajoso na medida em que está engrenado no modo de vida do organismo e aumenta as suas chances de sobrevivência. Em síntese, a verdade, ou que quer que seja, definitivamente, não importa.
A seleção natural não se preocupa acerca da verdade ou da falsidade de suas crenças, mas preocupa-se apenas com o comportamento adaptativo. Suas crenças podem todas ser falsas - ridiculamente falsas. Se seu comportamento é adaptativo, você sobreviverá e reproduzirá. Considere um sapo sentado sobre uma vitória régia. Uma mosca o ignora; o sapo estende sua língua e a captura. Talvez a neurofisiologia que causa isto dessa maneira, também cause crenças. Até onde a sobrevivência e a reprodução sejam levadas em conta, isto não importará em absoluto o que essas crenças são: se a neurofisiologia adaptativa causa uma crença verdadeira (por exemplo, aquelas coisas pequenas e pretas são boas de comer), ótimo. Mas se causa uma crença falsa (por exemplo, se eu capturar a mosca correta, eu me transformarei em um príncipe), isto também está ótimo. De fato, a neurofisiologia em questão pode causar crenças que não tem nada a ver com as circunstâncias presentes da criatura (como no caso de nossos sonhos); enquanto a neurofisiologia causar comportamento adaptativo, isto também está ótimo. Tudo que realmente importa, no que diz respeito à sobrevivência é à reprodução, é que a neurofisiologia cause o tipo certo de comportamento; se ela também causa crença verdadeira (em vez de crença falsa) é irrelevante.
Agora, calculemos a probabilidade de que uma crença, nesse contexto, seja verdadeira. Bem, o que nós sabemos é que uma crença em questão é produzida pela neurofisiologia adaptativa, isto é, neurofisiologia que produz comportamento adaptativo. Mas como nós temos visto, isto não nos dá nenhuma razão para pensar que essa crença seja verdadeira (e nenhuma para pensar que seja falsa). Nós devemos supor, portanto, que a crença em questão tem tanta probabilidade de ser falsa quanto de ser verdadeira; a probabilidade de qualquer crença particular ser verdadeira está perto de 1/2. Mas então, adicionamos aqui o fato de que é solidamente improvável que as faculdades cognitivas dessas criaturas produzam preponderantemente crenças verdadeiras sobre falsas conforme exigido pela confiabilidade. Se eu tenho 1.000 crenças independentes, por exemplo, e a probabilidade de qualquer crença particular ser verdadeira é 1/2, então a probabilidade de que 3/4 ou mais dessas crenças são verdadeiras (certamente uma exigência modesta o bastante para confiabilidade) será pouco menos do que 10(-58). E mesmo se eu estivesse trabalhando com um modesto sistema epistêmico de apenas 100 crenças, a probabilidade de que 3/4 delas sejam verdadeiras, dado que a probabilidade de qualquer um seja verdadeira é de 1/2, é muito baixa, alguma coisa como 0,000001. Então as chances de que as crenças verdadeiras dessas criaturas substancialmente sobrepujem suas falsas crenças (mesmo numa área particular) são pequenas. A conclusão retirada é que é extremamente improvável que suas faculdades cognitivas sejam confiáveis.
Mas é claro que este mesmo argumento poderá também ser destinado a nós. Se o naturalismo evolucionista é verdadeiro, então a probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis é também muito baixa. E isto significa que alguém que aceite o naturalismo evolucionista tem um obstáculo para a crença de que as faculdades cognitivas dela são confiáveis: uma razão para desistir daquela crença, para rejeitá-la, para não mais sustentá-la. Se não existir um obstáculo para aquele obstáculo – um obstáculo-obstáculo, poderíamos dizer – ela não poderia racionalmente acreditar que as faculdades cognitivas dela são confiáveis. Sem dúvida que ela não poderia deixar de acreditar que elas são; sem dúvida ela de fato continuaria a acreditar nisso; mas a crença seria irracional. E se ela possui um obstáculo para a confiabilidade de suas faculdades cognitivas, ela também tem um obstáculo para qualquer crença que sejam produzidas por estas faculdades – as quais, é claro, são todas as suas crenças.
Se ela não pode confiar nas suas faculdades cognitivas, ela tem uma razão, à respeito de cada uma de suas crenças, para desistir delas. Ela está, portanto, enredada num ceticismo profundo e abismal. Uma de suas crenças, contudo, é a sua crença no próprio naturalismo evolucionista; de modo que ela também tem um obstáculo para esta crença. O naturalismo evolucionista, portanto – a crença numa combinação de naturalismo e evolução – é auto-refutante e auto-destrutivo. Portanto você não pode racionalmente aceita-lo. Por todos estes argumentos apresentados, ele pode ser verdadeiro; mas é irracional sustentá-lo. Assim o argumento não é um argumento para a falsidade do naturalismo evolucionista; ao invés disso, para a conclusão de que não se pode racionalmente acreditar naquela proposição. A evolução, portanto, longe de sustentar o naturalismo, é incompatível com ele, nesse sentido que você não pode racionalmente acreditar em ambos.
Razão x Naturalismo
É um fato bruto que nós podemos aprender sobre o mundo à nossa volta através de nossos sentidos. Nós experimentamos o calor, o som, as cores e outras pessoas. Nós sintetizamos e tomamos conhecimento dessas coisas dentro de nossas mentes. Dessas experiências, nós fazemos deduções sobre o mundo: deduzimos os cursos evolutivos a partir dos fósseis; inferimos a existência de nossos próprios cérebros a partir do que achamos dentro de crânios de outras criaturas parecidas conosco, etc; Em síntese, nós fazemos ciência. Nós deduzimos e obtemos verdades à posteriori.
Mas o que é uma dedução? Podemos afirmar que uma dedução é uma estrutura lógica. Nós vemos fósseis de dinossauros com nossos olhos, mas deduzimos sua preexistência com nossas mentes. Nós entendemos que se todos os homens são mortais e Platão é um homem, então Platão é mortal. Quando consideramos esse argumento, não estamos observando o mundo à nossa volta. Estamos notando relações lógicas entre proposições que obteríamos em qualquer mundo possível. Proposições são alegações sobre certas situações, mas não são as situações em si. A proposição Colombo navegou pelo oceano azul traz um estado de coisas de uma situação ocorrida em algum momento em 1492. “Em 1942, Colombo navegou o oceano azul” é uma formulação em português de uma proposição verdadeira que afirma aquela situação específica. Quando concluímos que Platão é mortal, estamos certos de que as proposições que formam a premissa são verdadeiras, consequentemente a conclusão será obrigatoriamente verdadeira. Se tais inferências cotidianas não forem possíveis e confiáveis, não poderemos adquirir conhecimento. Aqui, Lewis afirma:
“Todo o conhecimento possível… depende da validade do raciocínio. Se o sentimento de certeza expresso por palavras como tem que ser, portanto e uma vez que é uma percepção real de como as coisas fora de nossas próprias mentes realmente ‘devem’ ser, ótimo. Mas, se essa certeza é simplesmente um sentimento dentro de nossas mentes e não uma compreensão genuína de realidades além delas – se a certeza representa simplesmente a maneira que nossas mentes por acaso funcionam – então não obteremos o conhecimento. Se o raciocínio humano não é válido, nenhuma ciência é verdadeira.”
C. S. Lewis
De acordo com a teoria darwiniana, as adaptações dos seres viventes ao seu ambiente são o resultado de um processo cego de seleção natural que age em variações aleatórias dentro de uma população. O processo de Seleção Natural preserva e então propaga essas variações, habilitando alguns organismos com uma vantagem de sobrevivência e eliminando os que não possuem essa vantagem. Embora existam outros fatores na evolução – deriva genética, congestionamento de populações e etc., – o processo de seleção e variação aleatória é o que mais cria essas adaptações de acordo com a teoria darwiniana. Este processo não é meramente ao acaso e aleatório; é um processo cego e inconsciente. Não há nenhum agente escolhendo a variação, como em mutações genéticas, vantagens de sobrevivência que se confere a um organismo, ou nenhuma outra razão.
Se essa história for correta, então aparenta-se ter uma vantagem de sobrevivência ao formar-se novas convicções. Com certeza nossos antepassados viveriam muito melhor no mundo se eles pudessem acreditar que, por exemplo, o tigre dente-de-sabre é um predador perigoso. Se eles concluíssem que deveriam então fugir de predadores perigosos, melhor ainda. Mas, em contrapartida, aqueles seres humanos primitivos com convicções erradas – que não tinham uma percepção correta do tigre dente-de-sabre e achavam que este era um gênio que lhes concederia três desejos se acariciado – tenderiam a ser exterminados do conjunto genético seguinte. Não seria então o processo darwiniano uma seleção por faculdades racionais confiáveis e, assim, nos dando essa capacidade de produzir opiniões verdadeiras?
Não, pois o processo que preserva características de adaptação e aprimoramento de sobrevivência não é racional e, portanto, não pode se esperar que produza uma capacidade racional. Isso somente seria possível se nossas faculdades cognitivas fossem plenamente confiáveis, o que é justamente o que está em questão. A objeção falha no sentido de pressupor que nossas faculdades mentais sejam orientadas à verdade, algo que o naturalismo não pode garantir, tal como vimos em Plantinga. Por fim, nos é perceptível que a mera adaptação não exige faculdades ordenadas à verdade, somente ao que é útil à sobrevivência. Por essa razão, nunca estaremos certos de que aquilo que conhecemos é verdadeiro (ainda que possa sê-lo), já que o objetivo central das faculdades cognitivas não será a verdade e sim a mera sobrevivência do indivíduo. A sobrevivência pode em muitos contextos ser mais facilmente alcançada com a ilusão do que com a verdade.
Novamente, se o naturalismo fosse verdadeiro, então deveríamos esperar a existência de intelecto, agentes, escolhas e intenções. Se estes fatores existissem de fato, seriam, pela lógica, um fenômeno de estados físicos. Mas vamos admitir sua existência e até mesmo nos permitir ao luxo naturalista de achar que nossas crenças podem guiar nosso comportamento. O naturalista então argumentaria que nossa razão e nossa capacidade de formar opiniões têm sido moldados pela seleção natural através das eras, e por isso podem ser confiáveis. No entanto, o problema é que a seleção natural conceberia a seleção de comportamentos que aprimoram a sobrevivência, mas nunca uma ferramenta que seleciona apenas os comportamentos causados pelas opiniões corretas e destrói os outros comportamentos. Logo, se nossa capacidade de pensar surgiu da maneira como a maioria dos naturalistas supõe que surgiu, então, mais uma vez, não temos motivos para acreditar que essa capacidade é confiável para nos dar crenças verdadeiras. Isso se aplica, naturalmente, à crença de que o naturalismo é verdadeiro. Lewis ressalta:
"Supondo que não haja uma inteligência criadora por trás do universo, então, ninguém planejou o meu cérebro para o propósito de pensar. O que acontece é apenas que, quando os átomos dentro do meu crânio, por razões, físicas ou químicas, se arranjam de certa maneira, isso me dá, como um resultado, a sensação que eu chamo de pensamento. Mas, se é realmente assim, como posso confiar que meu próprio pensamento é verdadeiro? É como virar uma jarra de leite e esperar que a forma como o leite se espalha lhe apresente um mapa de Londres. Mas se não posso confiar em meu próprio pensamento, certamente não posso acreditar nos argumentos que levam ao ateísmo; por isso não tenho nenhuma razão para ser um ateu ou qualquer coisa semelhante. Se eu não creio em Deus, não posso crer no pensamento. Portanto, não posso usar o pensamento para não crer em Deus."
C. S. Lewis
Liberdade x Naturalismo
Ora, se no Naturalismo não há uma causa externa, pessoal e transcendente, logo, o universo é o responsável por nós. Se não existe nada além da matéria, nossa mente seria apenas um subproduto natural do acaso. Logo, nesse cenário, as leis da natureza passam a ser prescritivas, isto é, guiam o mundo natural. Portanto, como consequência lógica, tornam-se pré-determinantes. Isto é, todo o efeito (leis da natureza) está presente por completo na causa (Universo), o que configura um determinismo de caráter inconsciente e mecanicista, ou seja, a determinação é colocada no passado, em uma sucessão de causas que tem sua explicação no início do universo. Com isso, se nossas mentes são produtos da evolução biológica, que por sua vez, é subordinada às leis da natureza, não temos livre-arbítrio. Dessa forma, nós não teríamos igualmente o controle dos nossos próprios pensamentos, tornando-nos prisioneiros da determinação físico-biológica. Entretanto, se temos a liberdade de nos questionar sobre a origem do Universo, segue-se que não há determinação alguma, e se não há determinação, segue-se que o naturalismo é falso. Não obstante, se a moralidade for analisada nessa mesma perspectiva naturalista, o problema pode ser igualmente evidenciado:
Se o naturalismo é verdadeiro, então eu não sou moralmente louvável ou censurável por nenhuma de minhas ações, pois valores e deveres morais objetivos não existem. Porém, eu sou moralmente louvável ou censurável por minhas ações. Se você pensar que alguma vez fez algo verdadeiramente errado ou correto, logo, devemos concluir, igualmente, que o naturalismo não é verdadeiro. Ainda assim, a alegação da moral biológica viola a lei básica de toda a ciência: a lei da causalidade. Ela coloca mais no efeito do que na causa, dizendo-nos que a moralidade surgiu da amoralidade. Ora, se os elementos materiais fossem os únicos responsáveis pela moralidade, logo, psicopatas como Hitler não teriam verdadeira responsabilidade moral pelo que fazem, pois eles apenas possuem algumas propriedades biológicas substanciais instauradas em seus cérebros sujeitas às leis determinantes da natureza. Mais uma vez, portanto, a conclusão nos desafia: liberdade e naturalismo são, aparentemente, incompatíveis.
Conclusão e considerações finais
A conclusão óbvia, como assim me parece, é que o naturalismo evolucionista não pode sensatamente ser aceito, bem como a razão não pode ser explicada pelo Naturalismo. Aparentemente, o jogo virou. Embora a referida visão filosófica demonstre vários e graves problemas lógicos, ainda predomina nas universidades, proporcionalmente ao escárnio da visão teísta. No entanto, como vimos, é o naturalismo evolucionista, e não o teísmo, que não pode ser racionalmente aceito.
Referências Bibliográficas:
[1] Resenhado por Douglas Groothuis, em um texto onde quatro livros que lidam com o ateísmo de uma forma ou de outra são examinados [http://www.christianitytoday.com/bc/2008/004/12.39.html]. Nota do tradutor: O livro não possui tradução para o português.
[2] Escrito em co-autoria com Alvin Plantinga na série Blackwell’s Great Debates in Philosoph (Blackwell, 2008). Nota do tradutor: O livro não possui tradução para o português.
[3] Carta a William Graham (Down, 3 de Julho, 1881), em The Life and Letters of Charles Darwin, ed. Francis Darwin (London: John Murray, 1887), Volume 1, pp. 315-16.
[4] Aqui eu vou fornecer apenas a essência do argumento; para uma descrição mais completa veja o meu Warranted Christian Belief (Oxford Univ. Press, 2000), cap. 7; ou minha contribuição para Knowledge of God (Blackwell, 2008); ou Natural Selection and the Problem of Evil (The Great Debate), editado por Paul Draper, www.infidels.org/library/modern/paul_draper/evil.html.
[5] Se você não pensa que o naturalismo inclui o materialismo, então pense no meu argumento como a conclusão de que não se pode sensatamente aceitar a conjunção tripartite do naturalismo, evolução e materialismo.
[6] “Epistemology in the Age of Neuroscience,” Journal of Philosophy, Vol. 84 (October 1987), pp. 548-49.
[7] Agradeço a Paul Zwier, que realizou os cálculos.
[8] Veja, por exemplo, Naturalism Defeated?, ed. James Beilby (Cornell Univ. Press, 2002), que contém dez artigos por críticos do argumento, junto com minhas respostas às suas objeções.
[8.1] Fonte: http://www.apologia.com.br/?p=116
[9] Argumento Evolucionista Contra o Naturalismo - PLANTINGA, Alvin;
[10] Milagres - LEWIS, 1960;
[10.1] Fonte: http://www.evolutionnews.org/2013/11/cs_lewis_and_th079541.html