A Tragédia do Mundo Moderno e os Cinco Pecados Capitais
by
Andrei
- julho 04, 2019
A Tragédia do Mundo Moderno e os Cinco Pecados Capitais
I - Pós-verdade
De fato, a vivência, os apelos emocionais e as crenças pessoais têm tido muito mais importância que os fatos objetivos para a modelagem da opinião pública. O primeiro como critério de epistêmico de conhecimento, o segundo como recurso retórico e o terceiro como fundamento ontológico. Em outras palavras, os fatos saem de cena e dão lugar às versões sociopoliticamente moldadas. Isso explica as violentas disputas de narrativas políticas no mundo, as fake news como táticas de guerra e o ultraceticismo dos terraplanistas e antivacinistas.
II - Hedonismo
Por vezes chamado de Utilitarismo Moderno, essa têm sido a base moral do mundo moderno. Bem e mal passam a ser conceitos que remetem especificamente ao bem-estar humano. Nesse cenário, o bem se traduz no prazer e o mal se traduz em desagrado. O motor desse sistema moral é, por sua vez, o desejo - ou ainda, a vontade. Dos desejos sexuais aos desejos de morte, a humanidade vem, de maneira cada vez mais criativa, os providenciando, sem se importar com os meios pelos quais o fazem. O que importa, apenas, é se colocar no lado positivo do bem-estar. Isso explica o culto ao corpo, ao sexo e à materialidade.
III - Autodepreciação
Talvez, essa seja a continuidade do fenômeno de desilusão que tomou o mundo após a Segunda Guerra, resultando na explosão do pensamento existencialista. O ser humano perdeu, quase que totalmente, o amor próprio. O afastamento de si mesmo, quase a nível antropofóbico, ocorre na mesma medida que a aproximação com os outros animais. Em outras palavras, humanizam-se os animais ao passo que desumanizam-se os humanos. Não raro, diante de situações específicas, vemos por aí frases do tipo "prefiro os animais às pessoas" ou "a humanidade tem que acabar". Esses são os mais claros reflexos da perda da autoestima e da autoconfiança. Isso explica, em parte, o aumento vertiginoso nos casos de fobia social, ansiedade, depressão e suicídio.
IV - Hipersensibilidade
Talvez, em grande medida, resultado dos conflitos de narrativas - que empurram, cada vez mais, a opinião do outro para a abominação moral - a hipersensibilidade revela um emocional humano completamente fragilizado. Isso explica, de maneira satisfatória, o fenômeno do "overreacting", entendido pelas reações desproporcionais diante de situações peculiares. Dois exemplos são claros: um recente episódio de "comoção" diante de um vídeo onde um indivíduo "domestica uma mosca" ao amarrar um barbante nela (o que foi entendido como tortura) e os inúmeros episódios de ofensas pessoais que geram silenciamento e perseguições, muitas vezes utilizando o Estado como arma. Este ponto está intimamente ligado com o politicamente correto e explica a violência das retribuições.
V - Fascínio à Morte
Este último ponto caberia no Hedonismo. No entanto, por se tratar de um fenômeno tão extremo, merece um tópico próprio. Desde o início do século XX, o fascínio da humanidade com a morte só tem aumentado. Em 100 anos, conseguimos a proeza de matar três vezes mais que todo mundo atrás de nós na linha do tempo. Somente durante a Segunda Guerra, quase 5% da população mundial pereceu. Esses fatores, aliados às novas e criativas configurações sociais de morte (suicídio assistido, eutanásia, abortos cada vez mais tardios e infanticídio), refletem quase numa seita funesta. De fato, a morte nunca foi tão cultuada como no século XX, e o seu sucessor parece trilhar o mesmo caminho.
Andrei S. Santos
Antropólogo (UFF) e Mestrando em Bioarqueologia (Museu Nacional / UFRJ).