"Prove-me que Deus existe": esclarecendo o ateísmo, o agnosticismo e outros assuntos (Paul Copan)
Prove-me que Deus existe!
Hoje, vos trago um artigo traduzido pelo caro amigo Reginaldo Castro. Acomodem-se e deleitem-se com o brilhantismo de Paul Copan!
Depois de uma palestra dirigida à Sociedade
Filomática — um clube de debate — na Union College, em Schenectady, Nova York,
um aluno se aproximou de mim e exigiu o seguinte: “Prove para mim que Deus
existe.” Eu lhe perguntei: O que você consideraria como
um nível aceitável de prova? O aluno parou e finalmente respondeu: “Acho que nem
sequer refleti sobre isso”. A conversa, que acabou sendo bastante amigável,
acabou pouco tempo depois disso. Em geral, quando os céticos pedem por “prova” aos
cristãos, eles estão quase sempre pedindo por “provas científicas” para a
existência de Deus: valores morais objetivos, a alma, ou vida após a morte. Já
é de se esperar esses desafios em uma era de cientificismo – a crença de que a
ciência e, portanto, “as provas científicas”, podem por si mesmas produzir
conhecimento. Desde os ataques do 11 de setembro, esse moderno critério
“iluminista” para obter conhecimento vem sendo reforçado pelos “Novos Ateus”
Daniel Dennett, Richard Dawkins, Sam Harris e o falecido Christopher Hitchens.
Richard Dawkins, por exemplo, escreve: “Conceitos científicos são fundamentados
em evidências, e eles dão resultados. Mitos e crenças não se apoiam em
evidências nem dão resultados.[1]”
Esses críticos presumem que cristãos e outros
teístas carregam o ônus da prova para mostrar que Deus existe. Enquanto isso,
os ateus podem cruzar os braços e avaliar o que quer que os teístas possam
apresentar. Se nada do que for apresentado for próximo, ou se não for evidência
suficientemente forte para eles, então eles costumam achar que estão
devidamente justificados na sua rejeição a Deus. Mas, é esse o procedimento
adequado levando-se em conta a racionalidade e outras considerações
apropriadas? Em resposta a tais desafios, é prudente esclarecer
e definir nossos termos. O que queremos dizer com ciência? O que é
conhecimento? Qual a diferença entre um ateu e um agnóstico?
Deve-se também esclarecer a respeito das “regras do diálogo” de modo que se
possa ter uma conversa honesta sobre esses assuntos.
Ciência, Cientificismo e
Conhecimento
Em primeiro lugar, vamos esclarecer algumas
confusões a respeito da ciência e do conhecimento. Para isso, devemos
fazer a distinção entre ciência e cientificismo. Como filósofo
cristão da ciência, Del Ratzsch a define como a tentativa de estudo objetivo do
mundo e dos fenômenos naturais, cujas teorias e explicações normalmente não se
separam do mundo natural.[2] Neste ponto, alguns vão tergiversar em torno da
palavra “normalmente”. Esse termo, insinuam eles, “coloca Deus ilegitimamente
dentro da ciência”. Mas pensar assim é um equívoco. Insistir que tudo que
acontece no mundo físico demanda uma explicação materialista é
uma petição de princípio, ou seja, é pressupor o que se quer provar. Mas se
Deus existe, criou e projetou o universo, é perfeitamente cabível que ele atue
diretamente no mundo de acordo com Seus bons e sábios propósitos.
Além do mais,
os atos de Deus no mundo deixariam, a princípio, rastros detectáveis dessa
atividade no mundo físico – seja o Big Bang, o ajuste fino do universo, ou
milagres como a transformação da água em vinho. Por exemplo, o livro de dois
volumes de Craig Keener, Milagres, é uma obra que fornece farta
documentação para esses vestígios físicos, como curas e ressurreições
realizadas em nome de Jesus. Keener afirma possuir os “raios x” do antes e dos
primeiros momentos após de várias dessas curas.[3]
Então, enquanto muito do que ocorre no mundo físico tenha explicações
naturais, exigir apenas explicações naturais para qualquer fenômeno físico na
verdade vai além da ciência para atender as rígidas exigências do
cientificismo, o qual pressupõe que o mundo físico é tudo que existe (em outras
palavras, naturalismo). No interesse de buscar a verdade, não deveríamos estar
à procura da melhor explicação para um evento físico – natural ou sobrenatural
– e não necessariamente a melhor explicação natural?
Na versão em filme do livro Horton Hears a Who
(no Brasil, Horton e o Mundo dos Quem), do Dr. Seuss, o canguru insiste
que Horton, o elefante, está errado quanto à existência de vida sobre um
pequeno grão de pó. Indignado com a crença de Horton nesses pequenos seres, o
canguru declara de forma naturalista: “Se você não pode ver, ouvir, ou sentir algo,
esse algo não existe”. O cientificismo afirma que só podemos conhecer por meio
da observação científica.[4]
Mas perceba: esta é uma pressuposição filosófica; não é o resultado de
observação científica ou pesquisa. É uma afirmação sobre a ciência, não uma
afirmação da ciência. Como podemos saber na realidade que a ciência por si só
produz conhecimento? Ou, coloquemos de outra maneira: Como se pode provar
cientificamente que todo conhecimento deve ser cientificamente demonstrável?
A exigência “Sempre prove cientificamente” é uma declaração autocontraditória.
Vamos focar um pouco agora no que significa a
palavra conhecimento. Economizando uma boa dose de debate, podemos dizer
que o conhecimento tem três componentes: (a) uma crença que é (b) verdadeira e
(c) que possui fundamento (ou, outros podem chamar de justificação): uma
crença verdadeira fundamentada. Agora, essencial ao conhecimento é que a
crença seja verdadeira. Então, eu não posso afirmar com acerto, “Eu sei
que a terra é plana” ou “Eu sei que círculos são quadrados”. Você pode
acreditar em afirmações e proposições falsas, mas não pode conhecê-las. A verdade
está ligada ao conhecimento. Ademais, conhecimento requer que uma crença
verdadeira tenha fundamento – ou algo que transforme uma crença verdadeira em
conhecimento. Ter uma crença acidentalmente verdadeira não é
conhecimento. Ter um bom pressentimento que acaba acontecendo não é
conhecimento. Ou digamos que você conclua que seja 2h12 olhando para o relógio
de uma vitrine; verifica-se que você está correto, mas apenas por coincidência:
na realidade, o relógio não está funcionando. A crença de que seja 2h12 neste
caso não conta como conhecimento também.
Assim sendo, desde a época de René Descartes
(1596-1650), uma definição de conhecimento extremamente rigorosa, porém
perniciosa, veio a contaminar o pensamento moderno – a saber, que conhecimento
demanda 100% de certeza.[5]
Então, caso seja “logicamente possível” que você esteja errado, você não
conhece de fato. Por isso, muitas pessoas acabam ficando bastante
indecisas sobre o que pode ser corretamente denominado de “conhecimento”.
Todavia, seguir esse padrão absoluto, rígido, é tolice. Certamente, só Deus
poderia satisfazê-lo. Mas nenhum epistemologista (filósofo que se especializa
no estudo do conhecimento) confiável aceita esse mito do “conhecimento só com
100% de certeza”. Uma razão principal para isso é esta: não se pode saber
com 100% de certeza que o conhecimento exige 100% de certeza. Além disso, é
possível que conhecermos verdadeiramente muitas coisas que não atingem esse
nível de confiança absoluta. Por exemplo, você sabe que existe um mundo independente
de sua mente – ainda que seja logicamente possível que se trate apenas de uma
ilusão – maya, como chamaria a escola de pensamento Hindu Advaita
Vedanta. Deste modo, digamos que essa possibilidade lógica reduza o “nível de
certeza” para 97%. Isso significa que não podemos saber realmente que um mundo
externo existe? Bem, de que modo “os 100%” sabem que não existe mesmo um mundo
fora de nossas mentes? O fato é que sabemos com certeza de muitas coisas, ainda
que não seja com uma completa certeza. Na verdade, haveria pouquíssimas coisas
que poderíamos conhecer se fôssemos adotar esse padrão exigente.
No que se refere ao conhecimento da existência de
Deus, o teísta não tem que cumprir o padrão absoluto de Descartes. O crente
pode ter várias boas razões em favor da crença em Deus – mesmo que essas razões
não sejam matematicamente certas e absolutas. Uma forma apropriada de fazer uma
defesa racional da existência de Deus é perguntar: Que contexto faz mais
sentido considerando as características importantes do universo e da existência
humana? Por exemplo, estamos cientes da existência da consciência, do livre
arbítrio ou de uma suposta responsabilidade pessoal, personalidade,
racionalidade, deveres, e valor humano – sem mencionar o início, o ajuste fino
e as belezas do universo. Esses aspectos do universo e da existência humana
dificilmente são surpreendentes se existe um Deus bom, pessoal, consciente,
racional, criativo, poderoso e sábio. No entanto, esses fenômenos são bastante
espantosos e chocantes se forem o resultado de processos materiais
deterministas, sem valor, inconscientes, sem direção, irracionais. Temos todos
os motivos para pensar que um mundo naturalista não produziria esses fenômenos
– ao contrário do teísmo – e muitos dentre os próprios naturalistas registraram
surpresa e até espanto de que tais características apareçam num universo
materialista e determinista.[6]
Teísmo, Ateísmo e Agnosticismo
Há alguns anos, eu estava falando para um fórum
aberto no Instituto Politécnico de Worcester (Massachusetts). Após concluir
minha palestra, um estudante se pôs em pé e anunciou confiantemente: “O motivo
pelo qual sou ateu é que não há nenhuma boa razão para acreditar em Deus”. Eu disse
a ele, “Você tem que ser um agnóstico, então. Afinal, é possível que Deus
exista mesmo que não haja nenhuma boa razão para a sua existência disponível a
nós”. Em seguida, continuei perguntando que tipo de agnóstico ele era. Isso nos leva a nosso segundo conjunto de termos a
serem esclarecidos – teísmo, ateísmo e agnosticismo – e
devemos também abordar a questão de quem carrega o ônus da prova em face desses
pontos de vista conflitantes.
Sem dúvida, o teísta faz uma declaração
sobre a realidade ao afirmar que Deus existe, um ser maximamente grande e digno
de adoração. Então o teísta, que faz a afirmação de conhecer algo, deve
carregar o ônus da prova. Como esta crença é justificada? Contudo, isso
significa que o ateu e o agnóstico não estão fazendo uma declaração? Essa seria
uma suposição equivocada. Vamos considerar o ateu por um momento. Michael
Scriven, um autodeclarado filósofo ateu, na verdade conceitua a sua
própria visão de forma equivocada. Ele insiste: “Não precisamos de provas de
que Deus não existe a fim de justificar o ateísmo. O ateísmo é obrigatório na
ausência de qualquer evidência para a existência de Deus”.[7]
Ele acrescenta que o conceito de Deus e a ideia do Papai Noel
compartilham igualmente a mesma posição de serem “irreais” por não haver
evidências para nenhum dos dois.[8]
Há, pelo menos, cinco problemas com as afirmações
de Scriven. O primeiro é que ele define incorretamente o ateísmo. O
falecido proeminente filósofo Anthony Flew – um ateu que veio a crer em Deus no
fim de sua vida – definiu ateísmo como sendo a “rejeição da crença em Deus”.[9]
Então, tem-se a Enciclopédia de Filosofia (1967), a qual define um
“ateu” como “aquele que sustenta que não há Deus, isto é, que a afirmação “Deus
existe” expressa uma falsa proposição.”[10]
Julian Baggini, filósofo ateu, define ateísmo como “a crença de que não há Deus
ou deuses”.[11]
O fato é que a definição padrão de ateísmo é a rejeição da crença em
Deus/deuses. A implicação é clara: se o ateísmo faz a alegação de conhecimento
de que Deus não existe, esta posição carece de fundamentação tanto
quanto a alegação do teísta de que Deus existe. Ambos carregam o ônus da prova
uma vez que ambos fazem alegações.
Segundo, a descrição de Scriven não leva em
conta nenhuma distinção entre ateísmo e agnosticismo. Então, qual é a
diferença? O agnóstico não sabe se Deus existe ou não. Digamos que o
agnóstico creia que as evidências para Deus estão absolutamente em falta
e que as evidências que favorecem o ateísmo também estejam absolutamente
em falta. Por que, então, não tomar o curso oposto de Scriven? Em vez
disso, por que não dizer que na ausência de evidência para o ateísmo
(“Deus não existe”), deve-se tonar um teísta? Poderíamos acrescentar que, se tanto o ateu como o
agnóstico afirmam que faltam evidências para a existência de Deus, como Scriven
distingue estas duas posições? De acordo com sua proposta, o agnosticismo
acabaria sendo idêntico ao ateísmo. Todavia, tal confusão de categorias
não existe se adotarmos o entendimento padrão de ateísmo como rejeição da
crença em Deus – não meramente uma ausência de crença, o que
descreve o agnóstico corretamente. Claro que um agnóstico pode dizer que
existem mesmo algumas evidências para Deus, mas que algumas evidências
contra o impede de crer em Deus – vamos dizer que são 50% de um lado e 50% de
outro. Porém, esta última questão é irrelevante aqui. A definição de ateísmo de
Scriven não se sustenta.
Terceiro, a ausência de evidência não é
evidência de ausência. Como observei anteriormente, se as evidências para
Deus estão ausentes, a conclusão mais lógica a se tomar seria o agnosticismo.
Afinal de contas, é possível que Deus exista ainda que as evidências a
favor de Deus estejam de certo modo em falta. Neste caso, devemos suspender
a crença, o que corresponde a uma mera ausência de crença, todavia
diferente de uma rejeição à crença (ou seja, ateísmo). Por que pensar
que estamos obrigados a desacreditar?[12] Quarto, e se a crença em Deus for “propriamente
básica”, mesmo sem evidências que a embase? Alguns filósofos cristãos como
Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff argumentam que normalmente acreditamos
em muitas coisas sem evidências ou argumentos – por exemplo, que existem outras
mentes ou que o universo é mais antigo do que quinze minutos. Por que não
poderíamos afirmar o mesmo sobre a existência de Deus – que ela é “propriamente
básica”? Em outras palavras, quando nossas mentes estão funcionando
adequadamente e concentradas em busca da verdade, uma crença firme e
convincente na existência de Deus pode naturalmente originar-se a partir dessa
experiência. Esses filósofos – que se chamam “epistemologistas reformados” –
não negam que existam evidências a favor da existência de Deus – dizem apenas
que as evidências não são obrigatórias para que a crença em Deus seja racional.
Assim, podemos afirmar que a crença em outras mentes
ou em um universo mais antigo que 15 minutos é apenas parte de nosso bom senso,
da experiência diária, constituindo-se, portanto, em uma evidência em si mesma.
Logo, essas experiências básicas servem como evidência, ainda que essa
evidência não tenha sido produzida por meio de argumentos sólidos. Mas, se
esses epistemologistas reformados estiverem corretos, podemos falar de crença
em Deus sem argumentos ou evidências.
Em quinto lugar, afirmar que Deus e Papai Noel
estão no mesmo nível é uma comparação falaciosa. Temos fortes evidências de que
o Papei Noel não existe. Sabemos de onde vêm os presentes de Natal. Sabemos que
seres humanos – muito menos, duendes – não moram no Polo Norte. Podemos ter
certeza de que o Papai Noel humano, se existisse, seria mortal e não eterno e
imortal. Estas são evidências contra a existência do Papai Noel. Em contraste,
temos de fato evidências que apontam para a existência de Deus – o início e o
ajuste fino do universo, a consciência, a racionalidade, a beleza, a dignidade
e o valor humano e o livre arbítrio. Essas evidências se encontram
definitivamente em outro nível.
À luz dessas observações, convém fazermos outra
importante distinção. Há dois tipos de agnóstico: (1) o agnóstico comum, que
diz, “Eu gostaria muito de saber se Deus existe ou não, mas não tenho
conhecimento o suficiente para ir além disso” e (2) o agnóstico rabugento, que
assevera, “Não sei se Deus existe ou não – e nem se pode saber.” O segundo – o
agnóstico cabeça-dura ou militante – faz a alegação radical segundo a qual
ninguém pode saber se Deus existe. Perceba que o agnóstico militante também
está fazendo uma alegação de conhecimento. Mais uma vez, tal alegação necessita
de fundamentação tanto quanto as alegações ateístas e teístas, respectivamente.
Embora esse tipo de agnóstico defenda que não se possa saber que Deus existe,
por que insistir que ninguém mais possa? E se Deus Se revelar a alguém de uma
forma poderosa, mas pessoal – digo, em uma sarça ardente ou em uma visão em seu
quarto? Mesmo que a evidência para tais encontros não esteja publicamente
acessível ao agnóstico cabeça-dura, o teísta persuadido acerca da existência de
Deus por meio desses encontros está justificado em sua crença, e o agnóstico
não poderia, com justiça, excluir essas possibilidades.
Como mencionado anteriormente, as evidências para a
existência de Deus estão amplamente disponíveis em meio à criação, consciência,
racionalidade, e experiência humana. Adicionalmente, a fé bíblica – ao
contrário de outras religiões tradicionais – é verificável; ela está aberta ao
escrutínio público. Se, por exemplo, Cristo não tivesse ressuscitado dos
mortos, a fé cristã seria falsa, como Paulo argumenta em 1Coríntios 15. De
fato, as Escrituras enfatizam constantemente o papel das testemunhas oculares,
a importância dos sinais e maravilhas públicos na origem da fé (João 20:30,31),
e outras evidências históricas para todos analisarem.
Apesar de termos motivos racionais para a
crença em Deus, não nos esqueçamos das amplas razões práticas e existenciais
para apreciá-lO. Isto é, a satisfação dos nossos desejos mais profundos acha-se
em Deus. Esse auxílio provido pela crença teísta é, por vezes, passada por alto
pelo cético. Nosso anseio por identidade, segurança e significado, nosso desejo
por imortalidade e esperança para além do túmulo, nossa busca tanto por perdão
de nossa culpa como pela remoção do opróbrio, ou o desejo por justiça cósmica –
todos esses anseios são saciados por Deus em Cristo, que colocou a eternidade
em nossos corações (Ec 3:11). Se fomos feitos para um relacionamento filial com
Deus, por que não levar em conta esses desejos? Na verdade, cabe sermos sábios
ao considerar esses motivos – em paralelo aos motivos racionais – uma vez que
portamos a imagem de Deus, a qual vai além da experiência humana racional
incluindo um amplo conjunto de considerações.
Fé e Evidência, Conhecimento e
Ignorância
Qual a situação, portanto, do agnóstico comum?
Aqui precisamos fazer outras distinções. “O agnóstico comum é inocente em
sua ignorância de Deus, ou sua ignorância é culpável?” Em 2002, quando
me encontrava em Moscou, tirei uma foto da “troca de guarda” a qual fica em
frente à tumba do soldado desconhecido localizada aos pés da Muralha de
Kremlin. Para tirar essa foto, pisei na grama, e, sabendo o suficiente de
russo, não vi nenhum sinal afixado de proibição para o que eu estava fazendo.
Mas, um segurança me afastou rapidamente do local, me dizendo que eu tinha
feito algo muito errado – talvez pretendendo um suborno. Depois de me perguntar
sobre meus estudos formais, ele exclamou, “Você é filósofo e não sabe mesmo que
não se deve pisar na grama aqui?” Este foi verdadeiramente um caso de
ignorância inocente.
Agora, e se eu extrapolasse a velocidade ao descer
uma avenida ignorando os sinais? Caso a polícia rodoviária me abordasse, eu não
poderia alegar, “Sou inocente; Não vi os sinais.” Minha ignorância seria culpável
uma vez que tenho a obrigação de prestar atenção aos sinais de limite de
velocidade. Receio que muitas pessoas que afirmam ignorância em relação à
existência de Deus são mais como apateístas,
que não se importam se Deus existe. Infelizmente, essas pessoas dedicam
suas vidas em todos os tipos de lazer – Facebook, assistir filmes, cruzeiros de
luxo, golfe – mas não levantam um dedo para meditar na questão mais
significativa de todas, a existência de Deus. Por que Deus deveria Se revelar
aos indolentes e apáticos?
E por que Ele se revelaria aos orgulhosos e
arrogantes, que exigem que Deus “mostre a si mesmo” por meio de pirotecnia? (Mt
16:4) Tal demonstração produziria conversão e amor genuínos por Deus? Afinal de
contas, os israelitas tiveram muitos sinais – as dez pragas do Egito, a
abertura do Mar Vermelho, a provisão do maná toda manhã, a constante presença
de uma coluna de nuvem durante o dia e uma coluna de fogo durante a noite.
Mesmo assim, a maioria dos israelitas morreu na incredulidade após manifestações
de idolatria, rebelião e murmuração (1Cor 10:1-13). A evidência – ainda que
consista na ressurreição de uma pessoa dos mortos – não garante fé em Deus. (Lc
16:31). Deus está interessado em algo mais do que nossa crença real e
fundamentada de Sua existência. Até os demônios são firmes monoteístas (Tg
2:19). A pergunta mais urgente é: Estamos dispostos a conhecer e sermos
conhecidos por Deus, a nos submetermos a Ele como nossa Autoridade Cósmica?
Buscar a Deus de todo o coração é fundamental para
que Deus Se revele a nós (Jr 29:13). Como colocou o filósofo Blaise Pascal, “[…] disposto a Se mostrar abertamente aos que O
buscam de todo o coração, mas a ocultar-Se daqueles que fogem dEle com a mesma
intensidade, Ele então administra o conhecimento de Si mesmo, dando sinais
visíveis para os que O buscam, mas nenhum sinal para aqueles que dEle se
afastam. Há luz suficiente para os que apenas desejam enxergar, e obscuridade o
bastante para os que possuem disposição contrária.”[13] Além do mais, Deus pode ter determinados motivos
para Se ocultar – como por exemplo, encorajar uma confiança e perseverança
maiores, aperfeiçoar o caráter, e assim por diante. Ele Se revela da forma como
quiser.
Reflexões finais
Em se tratando de teísmo, ateísmo e agnosticismo,
deve-se ter muito cuidado na definição das palavras. Esse cuidado equivale a
ter uma noção do que significa conhecimento e ignorância. Vimos que o ateísmo
– a crença de que Deus não existe – não é a definição inicialmente dada. Ateus,
teístas e agnósticos mais rígidos, todos fazem uma afirmação quanto à realidade
em relação a Deus, e esta afirmação deve ser justificada em vez de apenas
pressuposta. Cada uma dessas posições carrega o ônus da prova – não apenas os
teístas. Até mesmo o agnóstico comum pode simplesmente ser um “apateísta” e,
assim, seria culpado por sua ignorância. As evidências estão disponíveis e Deus
está disposto a Se revelar, mas as evidências – sem a humildade de coração –
não produzirão uma confiança e um comprometimento genuínos para com Deus.
Referências Bibliográficas
[1] River Out of Eden: A
Darwinian View of Life (New York: BasicBooks, 1995), 33. [edição em
português: O Rio que saía do Éden – Uma visão darwiniana da vida]
[3] Craig Keener, Miracles, 2
vols. (Grand Rapids: Baker Academic, 2011). Para mais relatos de milagres
documentados, ver o capítulo 7 de J.P. Moreland, Kingdom Triangle (Grand
Rapids: Zondervan, 2007). [edição em português O Triângulo do Reino
(Vida, 2011)]
[4] A versão mais fraca do
cientificismo afirma que a ciência é a melhor forma de obter conhecimento, mas
ele é geralmente articulado em sua versão mais forte.
[5] Os critérios de Descartes para a
recepção da crença são “autoevidentes”, “incorrigíveis” e “evidentes aos
sentidos.” Evidentemente, os critérios dele não são autoevidentes,
incorrigíveis e tampouco evidentes aos sentidos.
[6] Para mais detalhes a respeito,
ver Paul Copan, “The Naturalists Are Declaring the Glory of God: Discovering
Natural Theology in the Unlikeliest Places”, em Philosophy and the Christian
Worldview: Analysis, Assessment and Development, eds. David Werther &
Mark D. Linville (New York: Continuum, 2012), 50-70; Paul Copan e Paul K.
Moser, The Rationality of Belief (London: Routledge, 2003); Paul Copan, Loving
Wisdom: Christian Philosophy of Religion (St. Louis: Chalice Press, 2007);
William Lane Craig e J. P. Moreland, eds., The Blackwell Companion to
Natural Theology (Oxford: Blackwell, 2012).
[11] Julian Baggini, Atheism: A
Very Short Introduction (Oxford: Oxford University Press, 2003), 3. [edição
em português: Ateísmo – Uma Breve Introdução(L&PM Pocket, 2016)]
[12] Para uma discussão sobre o
assunto, veja Alvin Plantinga, “Reason and Belief in God”, em Alvin Plantinga e
Nicholas Wolterstorff, eds., Faith and Rationality (Notre
Dame: University Press, 1983), 27.
Traduzido por Reginaldo Castro e revisado por Maria
Gabriela Pileggi.
Texto original: Prove to me that God Exists: Getting Clear on Atheism, Agnosticism,
and a Few Others Matters. Houston Baptist University.
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