Um Esboço Crítico ao Relativismo Ético
Uma Crítica ao Relativismo Ético
A visão ética atualmente dominante, tão estimada
pelos humanistas pós-modernos, é o relativismo
cultural (por vezes chamado de relativismo descritivo). À luz do cognitivismo
moral, o relativismo ético nos diz que uma determinada declaração moral expressa
valor de verdade ou falsidade (isto é, uma proposição moral X pode ser verdadeira ou falsa), mas, em contrapartida ao realismo moral, seu valor de verdade depende da cultura ou indivíduo que a expressa. Dito de outro modo, existe o certo e
errado, mas o que é considerado como tal parece variar de uma cultura a outra, ou de um indivíduo a outro. Nesse
sentido, por haver uma discrepância tão grande entre as noções de certo
e errado, costuma-se dizer que não existem verdades morais objetivas.
No entanto, este parece ser um erro fundamental.
Em primeiro lugar, não resulta logicamente do relativismo cultural que não há
verdades morais objetivas (que são verdadeiras para todas as pessoas), nem
segue que estas verdades não podem ser conhecidas. A título de exemplo, diferentes
culturas diferem sobre o formato da Terra, mas isso não implica que ninguém
esteja certo sobre sua forma ou que ninguém é racional em acreditar em sua
opinião acerca da mesma. Parece-me, aqui, que a mesma linha de raciocínio se
aplica ao relativismo cultural.
Em segundo lugar, o relativismo descritivo sequer é uma teoria ética, mas uma teoria antropológica, à medida que não é
uma visão prescritiva/normativa. Em outras palavras, ela não trata de prescrições morais ou diz algo
sobre como alguém deve se comportar ou o que deve fazer. O
relativismo descritivo meramente se encarrega de emitir declarações descritivas
e factuais sobre moralidade, e não de moralidade. Nesse sentido, ela não implica
qualquer tese moral substantiva. Em tempo, segue uma sentença que traduz o relativismo descritivo: a cultura A pensa que P é imoral, ao passo que a cultura X pensa que P é moral.
Em terceiro lugar, o relativismo cultural parece
ser até mesmo uma tese factual fraca. Muitas diferenças morais aparentes entre
culturas, na verdade, parecem resultar de fatos, ao invés de valores. Isso,
certamente, suporta a afirmação de que as culturas apresentam um amplo consenso
quanto aos valores básicos. A título de exemplo, nenhuma cultura alguma vez
valorizou a covardia em batalha, embora haja divergência sobre o que é ou não covardia. Assim, é plenamente possível que muitas
diferenças culturais se revelem, na realidade, como meras diferenças factuais.
Debates contemporâneos sobre o aborto comumente envolvem
afirmações sobre se o feto é uma pessoa ou um ser humano. Notem, no entanto,
que esse desacordo parece ser sobre fatos, e não sobre valores. Ambos os lados
poderiam concordar com a sentença “assassinar pessoas é moralmente errado”, mas
discordar acerca do status antropológico do feto. Do mesmo modo, podem existir
diferenças ordinária de valores: um indivíduo anti-aborto pode alegar que o
direito à vida é superior a todos os outros, ao passo que um indivíduo
pró-aborto pode alegar que a liberdade é um valor superior. Notem que, nesse
caso, ainda assim, afirmam-se valores, porém pesados de formas distintas.
Em geral, parecem existir ao menos três fontes
importantes de desacordo em disputas morais. Um bom teste para se descobrir
quando tal desacordo está enraizado em uma diferença de valor se segue: existe
um princípio moral que um lado afirma e o outro nega? Há dois ou mais
princípios sendo pesados de forma diferente? Esses tipos de indagações tornam
explícito o fato de sempre haver algum tipo de afirmação de valor em uma
determinada disputa moral.
Não obstante, alguns cientistas sociais vão mais a
fundo em suas análises e propõem uma teoria ética conhecida como relativismo
normativo, que, por sua vez, nos diz que se deve
agir de acordo com os códigos socioculturais do agente ou grupo em questão. Em suma, o
plano de fundo cultural do indivíduo que emite uma específica declaração moral
é o que define o valor de verdade da mesma. No entanto, a maioria dos filósofos
não adota essa teoria devido à gravidade das críticas levantadas contra ela.
Em primeiro lugar, é até mesmo difícil definir o
que é uma sociedade ou especificar em determinado caso o que a sociedade é, haja vista que este é um conceito amplamente disputado. A
título de exemplo, considerem as sociedades A e B acima. Se um homem de A se
envolver sexualmente com uma mulher de B, em um hotel de uma terceira sociedade
C, com uma visão moral completamente diferente de A ou B, qual é a sociedade
relevante para determinar se o ato foi correto ou errado?
Em segundo lugar, o fato de estarmos muitas vezes –
simultaneamente – submersos em subnúcleos culturais, tornam a situação ainda
mais complicada. Um membro de vários núcleos distintos, que podem ter
diferentes valores (família nuclear, bairros, escolas, igrejas, clubes, local
de trabalho, cidades, estados, países ou comunidades) parece se deparar com um
dilema insolúvel. Qual desses núcleos é o relevante? Se um determinado núcleo
permite uma ação moral X, mas o outro proíbe, o que se deve fazer neste caso? Quem deve ter a palavra final? O que torna a declaração moral de um grupo mais válida que a declaração de outro?
Ainda assim, há um terceiro problema conhecido como
o paradoxo do reformador. Se o relativismo normativo é verdadeiro, então é
logicamente impossível para uma sociedade ter um reformador virtuoso e moral
como Jesus Cristo, Gandhi e Martin Luther King Jr, ou até mesmo perpetrar
revoluções marxistas. Por quê? Os reformadores morais são membros de uma
determinada sociedade, mas que se situam fora de seu código moral. Nesse
sentido, eles declaram a necessidade de uma reforma ou mudança nesse código.
No entanto, se um ato X é correto se, e somente se,
for de acordo com o código de uma determinada sociedade, então o reformador
moral é, por definição, uma pessoa imoral, pois suas opiniões estão em
desacordo com as de sua sociedade. Na referida visão, , portanto, os reformadores morais estão
sempre errados porque vão de encontro ao código de sua própria sociedade. Em
conclusão, qualquer visão que implique reformadores morais parece ser
impossível e defeituosa.
Dito de outra forma, o relativismo normativo
implica que nem os núcleos culturais (se o convencionalismo está em vista) e nem
indivíduos (se o subjetivismo está em vista) podem melhorar o código moral. A
única coisa que poderiam fazer, ao que parece, é mudá-lo. A fins
argumentativos, considerem uma mudança em um código moral X da sentença “o
racismo é moralmente correto” para “o racismo é moralmente errado”. Como
deveríamos avaliar essa mudança? Sob que parâmetro?
Parece óbvio que o relativismo normativo nada tem a
oferecer além de uma mudança de perspectiva. Do código anterior, o novo
princípio é errado, ao passo que, na perspectiva do novo código, o velho
princípio é errado. Logo, não se pode dar sentido à ideia de que um novo
código reflete uma melhoria em um código antigo, pois essa mesma ideia requer
um ponto de vantagem externo e superior ao código moral da sociedade (ou indivíduo)
na qual se emite o julgamento. E parece ser precisamente esse o ponto
estratégico que o relativismo normativo nega.
Alguns relativistas respondem a isso afirmando que
os reformadores morais são permissíveis em suas opiniões, porque tudo o que
eles fazem seria tornar explícito o que já estava implícito, mas negligenciado
no código da sociedade. Deste modo, se uma sociedade já tem para si o princípio
de que as pessoas deveriam ser tratadas igualmente, então isso, implicitamente,
inclui a proibição contra o racismo, embora não possa ser explicitamente
observada.
O Reformador moral simplesmente tornaria isso
explícito, chamando as pessoas a pensar mais cuidadosamente sobre o seu código.
Todavia, esta afirmação aparenta ser falsa. Muitos reformadores chamam
as pessoas a alterar, de fato, seus códigos morais, e não meramente tornam
claro o que já estava contido em códigos preexistentes (como é o caso das revoluções marxistas ou de reformadores religiosos). Ainda assim, outros
relativistas poderiam argumentar que a existência de reformadores morais é
possível ao reconhecerem que as sociedades podem conter, implícita ou
explicitamente, um princípio em seu código que diz "siga o conselho dos
reformadores morais".
No entanto, novamente, essa resposta parece não
funcionar. Afinal, o que significa chamar esses reformadores de
"moral" se eles não mantêm o resto do código da sociedade? Se o reformador mantém e acredita no resto do código de sua
sociedade, como poderia uma mudança nesse código contar como uma melhoria moral?
Certamente, um reformador poderia ter o poder de trazer a mudança, mas como
poderia ele ou ela ter a autoridade moral para fazê-lo? Quem ou o quê delega a eles tal autoridade?
Ainda assim, por que chamar a mudança de uma
melhoria moral? Se houver dois ou mais reformadores morais com agendas mutuamente
exclusivas, operando ao mesmo tempo, qual deles se deve seguir? Do mesmo modo,
alguns atos parecem ser errados, independentemente das convenções sociais. De
acordo com o particularismo epistemológico, todas as pessoas podem saber que
algumas coisas são objetivamente erradas, como torturar bebês por diversão, roubo
ou ganância, sem quaisquer critérios de justificação, e isso nos é acessível através de nossa experiência moral.
Em síntese, não parece haver razões para duvidarmos dessa experiência mais que a experiência dos nossos cinco sentidos. Ora, acreditamos naquilo que nossos cinco sentidos nos dizem, ou seja, que existe um mundo de objetos físicos a nossa volta. Certamente, nossos sentidos não são infalíveis, mas isso não nos leva a pensar que não haja um mundo exterior a nossa volta. Do mesmo modo, na ausência de alguma razão para desconfiar de nossa experiência moral, estamos plenamente justificados em aceitar o que ela nos diz, isto é, que algumas coisas são objetivamente boas ou más, certas ou erradas.
Em síntese, não parece haver razões para duvidarmos dessa experiência mais que a experiência dos nossos cinco sentidos. Ora, acreditamos naquilo que nossos cinco sentidos nos dizem, ou seja, que existe um mundo de objetos físicos a nossa volta. Certamente, nossos sentidos não são infalíveis, mas isso não nos leva a pensar que não haja um mundo exterior a nossa volta. Do mesmo modo, na ausência de alguma razão para desconfiar de nossa experiência moral, estamos plenamente justificados em aceitar o que ela nos diz, isto é, que algumas coisas são objetivamente boas ou más, certas ou erradas.
Deste modo, uma determinada ação (por exemplo,
torturar bebês por diversão) pode ser errada mesmo que a sociedade diga que é correta,
e vice-versa. Um determinado ato pode até mesmo ser certo ou errado, ainda que
a sociedade não diga nada sobre esse ato. Na realidade, é difícil imaginar como
uma sociedade pode ser justificada em culpar moralmente outra sociedade em
certos casos. De acordo com o relativismo normativo, uma sociedade deve agir de
acordo com o código da sua sociedade, e outras devem agir à luz do código das
suas sociedades.
Nesse sentido, se Pedro faz um ato que é certo em seu código, mas errado no meu, como posso criticar seu ato como errado? Alguns responderiam a essa objeção, ressaltando que a sociedade A pode ter em seu código moral o princípio de que se deve criticar atos de, digamos, assassinato, independentemente de onde eles ocorrem. Assim, membros de A poderiam criticar tais atos em outras sociedades. Todavia, tal regra ainda revelaria a inconsistência do relativismo normativo.
Nesse sentido, se Pedro faz um ato que é certo em seu código, mas errado no meu, como posso criticar seu ato como errado? Alguns responderiam a essa objeção, ressaltando que a sociedade A pode ter em seu código moral o princípio de que se deve criticar atos de, digamos, assassinato, independentemente de onde eles ocorrem. Assim, membros de A poderiam criticar tais atos em outras sociedades. Todavia, tal regra ainda revelaria a inconsistência do relativismo normativo.
Dada essa regra e o fato de que o relativismo
normativo é abraçado por membros da sociedade A, os que estão em A parecem
estar na posição de sustentar que os membros de B devem assassinar (uma vez que
seu código diz que é certo) e eu deveria criticar os membros de B porque meu
código diz que eu deveria. Assim, critico os membros de B como imorais e, ao
mesmo tempo, sustento que seus atos deveriam ter sido feitos.
Não obstante, por que os membros de B devem se
preocupar com o que os membros de A pensam? Quem ou o quê possui autoridade para emitir quaisquer tipos de obrigações morais para quem quer que seja? No final das contas, se o
relativismo normativo é verdadeiro, não há nada intrinsecamente certo sobre o
código moral da sociedade A. Ao trazermos esses exemplos para os fatos
históricos, a referida tese se mostra um tanto perigosa. Se cada sociedade
define o seu próprio código moral, o que havia de errado, afinal, com a
sociedade alemã nazista? Nesse cenário, por que, e com que autoridade, nós
julgamos seus atos como moralmente abomináveis? O que torna nossas opiniões morais mais válidas que as deles?
Em conclusão, não parece ser possível condená-los, assim como a
qualquer outra atrocidade moral que tenha ocorrido ao longo dos séculos, à
medida que a sociedade nazista achava que o que fazia era, de fato, correto.
Nesse cenário, nós simplesmente não estamos em posição de julgá-los com base em
nosso próprio código moral, pois a verdade de uma declaração moral, nesse cenário, depende da
sociedade ou cultura na qual é emitida. Portanto, o relativismo ético, seja
qual for o seu desdobramento, parece ser extremamente problemático e
inadequado para explicar a realidade que nos circunda.
Referências Bibliográficas:
[1] Philosophical Foundations for a Christian Worldview - William Lane Craig; J. P. Moreland;
[2] O Dilema Moral do Ateísmo - Andrei S. Santos;
[3] Pós-modernismo - Stanley J. Grenz;
Referências Bibliográficas:
[1] Philosophical Foundations for a Christian Worldview - William Lane Craig; J. P. Moreland;
[2] O Dilema Moral do Ateísmo - Andrei S. Santos;
[3] Pós-modernismo - Stanley J. Grenz;
Andrei S. Santos
0 comentários