O Argumento da Determinação Cultural (Análise e Refutação)

by - setembro 06, 2013

O Argumento da Determinação Cultural
Nessa técnica, o oponente tentará dizer que o ateísmo é a opção mais correta porque “Se você tivesse nascido em outro país, teria outra crença” ou que “A Religião é só algo cultural”. Muitas vezes eles comemoram essa constatação como se fosse um verdadeiro nocaute no pobre e ingênuo teísta, quando, na verdade, ela passa longe disso. Vejamos como podemos analisá-la. A primeira afirmação pode ser “A Religião é só algo cultural, por isso sou ateu”. Que a religião (e o Cristianismo) tem um aspecto relacionado ao lado cultural, isso é evidente. Pelo que sei, nenhum teólogo cristão nega isso, tanto que uma das definições teológicas do Cristianismo é a idéia de revelação progressiva (isto é, Deus foi se revelando aos poucos, de acordo com que cada cultura melhor ia entender naquele momento, até chegar na sua revelação definitiva, que é Jesus).



O ponto-chave aqui é SÓ algo cultural. A religião apresenta-se como algo cultural, mas nunca APENAS como isso, pois todas elas possuem, na sua base, verdades metafísicas. As duas principais doutrinas metafísicas que são compartilhadas por todos os cristãos são as seguintes:

(1)
Existe um ser pessoal, transcendente e necessário, que é Deus.

(2) A forma de nos relacionarmos com ele é através de Jesus Cristo.


Se o outro argumentador apresenta seu caso dizendo que a religião é “só” cultural, subentende-se que ele SABE que as doutrinas metafísicas das religiões são todas falsas (ou seja, sabe como derrubar todos os argumentos a favor e apresentar argumentos sólidos contra). Aí é só desafiá-lo a demonstrar a sua afirmação de conhecimento.

Digamos que ele aceite o desafio. Para fundamentar sua afirmação, ele usa a seguinte frase: “Ora, eu sei que é falsa porque os homens só criaram Deus para explicar a natureza. E os cristãos só acreditam nisso porque aprenderam isso com alguém.” Se o argumento for algo nessa linha, então temos ele comete uma falácia genética. A falácia genética é um erro lógico no qual você define como falsa ou rejeitável uma proposição pela forma que ela veio a existir. Vou dar um exemplo prático. Imagine que um jovem executivo chegue atrasado para a sua reunião. Pressionado, ele sai com a seguinte resposta: “Não deveríamos adotar horários pontuais para nossos compromissos. Foi Mussolini quem espalhou a moda de horários pontuais.” (Claro. Mussolini também achava que era uma boa ideia respirar. Por causa disso você vai morrer sufocado?)

Veja que isso não diz NADA sobre a validade ou racionalidade da ideia de adotar horários pontuais para compromissos. Não é porque as pessoas formaram essa ideia (em massa) através de Mussolini que ela passa a ser falsa ou rejeitável. Da mesma forma, a forma pela qual a CRENÇA em Deus ou em alguma religião se forma também NÃO diz nada sobre a verdade da metafísica dessa religião. Pode ser que alguém venha a acreditar em Deus por medo do Inferno. Pode ser que os primeiros homens tenham usado uma ideia de Deus para explicar melhor a natureza. Isso importa para Deus existir? Claro que não.  E muito menos o fato do Cristianismo ser verdadeiro por alguém contá-lo para mim. É tão lógico quanto considerar que minhas contas do Imposto de Renda não existem só porque elas foram entregues por um carteiro (hm, até que não seria má ideia… Será que convenço algum juiz com esse argumento?).

Isso fala da formação da CRENÇA, não do seu valor de verdade. Portanto, a alegação de que a religião é falsa ou é só cultural pelo fato fato de a conhecermos por meio de uma cultura é um exemplo clássico da falácia genética e a reclamação falha. Ainda poderia haver um terceiro tiro do outro debatedor da seguinte maneira: “Ok, ok. Eu concedo o ponto. A religião não é falsa pelo modo que a crença religiosa se forma; argumentar isso, de fato, seria falacioso. O que eu quero dizer é que a sua CRENÇA em uma religião é injustificada. Como não há como definir qual das verdades metafísicas das religiões são as mais corretas, todas elas são definidas apenas com base na influência cultural.”

O primeiro ponto da reclamação é que não há como escolher entre as opções das verdades metafísicas e que elas possuem apenas uma base cultural no momento de escolha. Isso não é verdade. Por exemplo: Suponha que alguém defenda uma base metafísica da criação do Universo dizendo que ele foi causado por divindade que manipulou uma flor que floresceu no umbigo de outra divindade. Usando da lógica e da filosofia (através de argumentos como o Argumento Cosmológico Kalam), eu posso definir que a base metafísica de uma outra religião que defende uma criação por um ser pessoal (o que descartaria outras visões que definem o Ser Superior como uma força impessoal, que alguns orientais possuem), imaterial (o que já descartaria a história da flor e do umbigo mencionados no início do parágrafo) e muito poderoso possui uma defesa mais sólida do que aquela e que, portanto, eu posso optar tranquilamente por essa segunda opção.

Então não é verdade que não é possível definir qual das verdades metafísicas é mais correta e que só a influência cultural a define. E mesmo dentro de uma mesma religião (de forma geral) esse tipo de discussão é possível. Posso aceitar as doutrinas metafísicas do Cristianismo como verdade, por exemplo. A partir daí, podemos escolher entre o catolicismo, o protestantismo, os TJs, entre outros, fazendo estudos teológicos para ver qual é a posição mais forte dentre elas. Mencionei, no início do texto, as duas principais verdades para o Cristianismo ser verdadeiro, que seriam: 1- Existe um ser pessoal, transcendente e necessário, que é Deus e 2- A forma de nos relacionarmos com ele é através de Jesus Cristo. Observem que tanto (1) como (2) possuem argumentações filosóficas, lógicas e históricas em sua defesa. Então, estudando esses argumentos, eu posso estar justificado em carregar tal crença.

E o segundo ponto que deveriam ser tratados são os  modelos de justificação para uma crença (assunto tratado por Alvin Plantinga na sua obra Warranted Christian Belief, por exemplo). Mesmo muitas pessoas que não definem filosoficamente qual a melhor explicação possuem uma base para ser justificadas em continuar praticando sua religião (expliquei mais ou menos como funciona a fé nesse texto). Para essas pessoas, Deus não é só uma ideia abstrata, mas uma realidade viva no seu dia a dia. Então elas estão, ao meu ver, sendo plenamente racionais ao acreditar que a sua religião serve para religá-los com Deus com base na sua própria experiência pessoal. (Atenção: não estamos falando sobre ser verdade ou não. E sim se a pessoa está justificada em ter aquela crença ou em continuar praticando aquela religião, o que é uma abordagem diferente).

Uma última tentativa: “Mas se você tivesse nascido na China, seria budista e defenderia o budismo da mesma maneira que faz com sua religião”. Isso não passa de especulação. Como saber se eu, dentro de certas circunstâncias,  seria necessariamente budista por ter nascido na China? Estatisticamente, é verdade que eu teria mais chances de nascer dentro de uma família com cultura budista. Mas, novamente: Nós estamos observando isso pela veracidade da religião e do teísmo em si? Se for, é irrelevante, sendo a falácia genética já mencionada acima. Se nós estamos falando que eu defenderia o budismo, então há uma pressuposição aí que eu (ou você ou qualquer pessoa que o outro debatedor esteja se referindo) só defendo e só pratico o Cristianismo porque tive essa influência cultural cristã. Mas como ele sabe isso? Ele leu minha mente para saber minhas razões?

A prática religiosa é uma adesão do INTELECTO (pois um ser irracional não pode aderir a uma crença religiosa, visto que não a consegue a expressar e sistematizar em seus próprios termos) movido pela vontade (pois ninguém pratica uma religião expressando em ato uma vontade contrária). Vários escolas do budismo defendem que não existe NENHUM ser supremo aos moldes de Deus. Se eu ler a filosofia natural que apontam para existência de um ser assim, então  meu intelecto poderia não ficar satisfeito com as explicações budistas e, dessa forma, eu não teria uma adesão a essa prática religiosa. Portanto, a influência cultura budista não obriga alguém a possuir essa crença (tanto que o Cristianismo está crescendo na China). No fim, nós voltamos para a questão se o cristão está justificado ou não carregar aquilo que considera verdade, tópico que já havia sido tratado no item (3). Essa última reclamação apenas “recicla” aquela outra comentada anteriormente. Em resumo:


(1) Se ele argumentar que a religião é SÓ cultural, significa que ele tem provas de que a base metafísica da religião mencionada é falsa e, já que fez a Enunciação da ideia, também deve fazer essa demonstração.

(2) Se ele argumentar que a religião é falsa por a conhecermos através de uma cultura, então ocorreu uma falácia genética.

(3) Se ele argumentar que a sua crença na religião é injustificada por ter só uma base cultural, então é leitura mental e falácia da pressuposição (e possivelmente desconhecimento da apologética cristã, pode ser aplicado junto com a técnica “Não Há Evidências”).

(4) Se a argumentação for que você defenderia uma religião “X” da mesma forma que defende a sua religião atual se tivesse nascido em outro país, é mera especulação e leitura mental (novamente).


Segue abaixo um modelo de refutação:


- NEO-ATEU: Eu não acredito em Deus, pois a religião é só algo cultural.

- REFUTADOR: Peraí. A religião seria algo “só” cultural se soubéssemos que Deus não existe. Você tem alguma prova da inexistência de Deus para poder demonstrar seu ponto?

- NEO-ATEU: Claro. A crença em Deus surgiu porque o homem não sabia explicar a natureza. Portanto, ele não existe.

- REFUTADOR: Isso é falácia genética. Você não pode julgar algo como falso pela forma que esse algo se originou. É um erro lógico.

- NEO-ATEU: Mas não há nenhum justificação para o teísmo ou para o Cristianismo.

- REFUTADOR: Claro que há. Leia livros e autores que tratam dessa questão que você verá os argumentos que o justificam.

- NEO-ATEU: Mentira. Se você nascesse na Índia, seria hindu, pois você acredita apenas por uma profunda necessidade de acreditar em algo sobrenatural. Eu acredito nas evidências.

- REFUTADOR: Essa é só a aplicação da técnica “Ateus são fortes, Teístas São Fracos” misturado com self-selling pessoal. Tente algo novo. E não há como saber se eu seria hindu nascendo na Índia. Isso é só especulação sua. Vá estudar.


[E assim segue até tudo ficar bem explicado]

Conclusão e considerações finais:

Foi preciso resumir o artigo para não ficar muito extenso, mas acho que abordei todos os principais pontos. O que temos que saber é se as verdades da religião (como a existência de Deus) são corretas, não focar na crença da pessoa. “Os argumentos para a existência de Deus são melhores que os para inexistência?” Essa é a linha para refutá-lo.

Referências:

https://projetoquebrandooencantodoneoateismo.wordpress.com/outras-postagens/

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1 comentários

  1. Quando iniciei minhas pesquisas acerca da origem do cristianismo eu já tinha uma ideia formada: nada de Bíblia, teologia e história das religiões. Todos os que haviam explorado esse caminho haviam chegado à conclusão alguma. Contidos num cercadinho intelectual, no máximo, sabiam que o que se pensava saber não era verdade. É isso o que a nossa cultura espera de nós, pois não gosta de indiscrições. Como o mundo não havia parado para que o Novo Testamento fosse escrito, o que esse mesmo mundo poderia me contar a respeito dessa curiosidade histórica? Afinal, o que acontecia nos quatro primeiros séculos no mundo greco-romano, entre gregos, romanos e judeus?

    http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/paguei-pra-ver

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