Todos são ateus e todos nascem ateus? (Análise e Refutação)
Técnica: Todos são ateus e todos nascem ateus?
Nessa técnica, o neo-ateu tentará fazer uma confusão com o sentido da palavra “ateu” para provar que todos os seres humanos são ateus, não apenas aqueles que desacreditam/negam qualquer divindade. E o pior: Alguns já apresentaram essa ideia como um argumento FORMAL nos debates da Contradições do Ateísmo, por exemplo. Eu já havia abordado essa questão rapidamente aqui e por isso vou a explicar melhor nesse post.
Normalmente, ocorre dessa maneira:
- NEO-ATEU: Nós dois somos ateus.
- REFUTADOR: O quê?!
- NEO-ATEU: Ambos somos ateus. A diferença é que eu acredito em um deus a menos do que você.
Para refutar a babada, precisamos definir o que é uma “cosmovisão”. Aqui, o sentido desse termo é uma descrição da realidade formada por subconjuntos E1 & E2 & E3 & … & etc, cada desses subconjuntos formado por proposições S1 & S2 & S3 & S4 & … & etc e assim por diante. Por exemplo: Digamos que exista um subconjunto chamado “Identidade Pessoal” (E1). Esse subconjunto é formado por proposições como “Qual o meu nome? Rodrigo (S1)”, entrelaçado com outras do tipo “Quem são meus pais? Camila e Carlos (S2)”, “Quando eu nasci? Em 1995 (S3)” e por aí vai. Todas essas proposições juntas são as que vão formar o ENTENDIMENTO da pessoa sobre sua identidade.
Da mesma forma, existe um subconjunto sobre a questão de “divindades”. A grosso modo, temos duas opções positivas:
(1) Monoteísmo.
(2) Politeísmo.
Se o sujeito adota uma dessas posições, não é ateu de maneira alguma. Se na sua cosmovisão, já existe UMA proposição do tipo “Uma divindade existe”, você já não é mais ateu. Para o sujeito ser considerado ateu, ele não pode ter NENHUMA proposição positiva do tipo exemplificado acima. O fato de ele não adotar todas as opções disponíveis NÃO o faz ateu. Para melhor ilustrar, vamos usar um paralelo com ideologias políticas. Nos partidos políticos brasileiros nós temos opções do tipo:
(1) PT.
(2) PSDB.
(3) PSTU.
(4) etc.
Imagine que exista uma pessoa que tem, no seu subconjunto “ideologia política”, a proposição “S1: O PT é o melhor partido”. E não só tem essa proposição, como faz MILITÂNCIA pelo PT, dia e noite. Aí alguém que é apolítico (não possui nenhuma sentença positiva sobre qual o melhor partido político e não se interessa pelo assunto), chega para essa pessoa e diz o seguinte: “Afirmo que nós dois somos apolíticos. A diferença é que eu milito por um partido a menos que você.” Será que alguém que vai na rua todas as segundas, participa de encontros do partido, diz em alto e bom som “Precisamos eleger Dilma! Precisamos eleger Dilma!” é “apolítico”? A resposta é, evidentemente, NÃO! O mesmo poderia ser aplicado para alguém que não torce para nenhum time de futebol. Digamos: “Afirmo que nós dois não somos torcedores de futebol. A diferença é que eu torço por um time a menos do que você.” Isso teria algum sentido? Claro que não. Se ele torce para um time qualquer, seja o Flamengo ou para o Mixto, já se caracteriza como torcedor de futebol. E a mesma coisa para a questão teísmo e ateísmo. Não há meio termo. Como se vê, não há um traço sequer de racionalidade nessa alegação neo-ateísta. A refutação pode ser a seguinte:
- NEO-ATEU: Nós dois somos ateus.
- REFUTADOR: O quê?!
- NEO-ATEU: Ambos somos ateus. A diferença é que eu acredito em um deus a menos do que você.
- REFUTADOR: Non-sense. O fato de eu não adotar o modelo politeísta para descrever a realidade no subconjunto “Divindades” não me torna ateu, nem de longe, pois eu ainda tenho um modelo positivo para esse subconjunto.
- NEO-ATEU: Mas você não acredita que Thor, Shiva e Tupã sejam opções corretas. Logo você é ateu também.
- REFUTADOR: Da mesma maneira que um militante do PT não acredita nas opções do PSDB, PSTU e outros. Isso o faz “apolítico”, por acaso?
- NEO-ATEU: Veja bem…
Observação: Nessa técnica, de início, os neo-ateus não saíram do zero. Para funcionar, o conceito de “ateu” precisaria ser MAQUIADO e é aí que a refutação tem que ser feita. Esse estratagema também pode ser aplicado em conjunto com a técnica Qual Deus?, Todos nascem ateus ou com outras tentativas pífias como Monstro do Espaguete Voador.
Mas então, o neo-ateu pode afirmar: Todos nascem ateus! Isso é fato!
Primeiro, devemos nos perguntar: O que é ateísmo? Para responder à essa questão, vamos voltar até Aristóteles e começar a investigação. Segundo Aristóteles (conforme citado por Alvin Plantinga em Warranted Christian Belief, 2000), o homem é um animal racional. Mas o que especificamente ele queria dizer com isso? Aqui, o termo “racional” aponta ou expressa uma propriedade que distingue os seres humanos de outros animais. Como Aristóteles dizia, essa propriedade é a possessão da ratio, o poder da razão. A ideia é que seres humanos, diferentemente de, pelo menos, a maioria dos animais, tem conceitos e é capaz de julgar crenças, nós conseguimos raciocinar, refletir e pensar sobre as coisas, mesmo sobre coisas muito distantes em tempo e espaço; em suma, seres humanos são conhecedores. Isso é o que é ser um criatura racional, e isso é o que Aristóteles viu de diferença sobre os seres humanos. A questão que imediatamente surge daí é: Um bebê é um conhecedor? É um animal racional? A resposta é claramente NÃO.
Se o ateísmo for considerado uma posição racional sobre um conjunto de crenças, então irracionais recém-nascidos NÃO podem ser considerados ateus. Um bebê é tão ateu quanto um gato, um cachorro, uma porta, uma mesa e meu teclado que foi usado para escrever esse post, ou seja, ele é ateu simplesmente porque é incapaz de ser conhecedor de qualquer conceito de Deus. Esses seres são, por definição, neutros, uma vez que são incapazes até de manifestar e julgar. Se um ateísmo não é baseado em um conhecimento de uma hipótese e o consequente julgamento dela como forte ou fraca pelo poder da ratio, significa que ele não tem valor algum. É, nesse caso, sinônimo de burrice apenas. Se ateísmo e teísmo tem qualquer coisa a ver com racionalidade, o melhor a fazer aqui é julgar irracionais como NEUTROS nessa questão.
Talvez o neo-ateu talvez tente sair dessa com um “Ok, ok; o ateísmo deles é irracional, ou até mesmo são neutros, como você diz. O fato é que crescendo e raciocinando eles não acreditariam em Deus nem iriam para alguma religião se não fosse a influência da sociedade.”
Aqui, o neo-ateu se complica AINDA mais. Ele vai ter que provar que NECESSARIAMENTE todas as pessoas não acreditariam em algum conceito divino sem receber influências constrangedoras externas. Podemos sugerir algumas evidências em contrário: Por exemplo, pessoas já sugeriram que nós somos “brain-wired” para a crença em Deus, como Lewis Wolpert, aqui e aqui (é certo que ele é um debatedor infame, mas como ele estava comentando a sua área, a biologia, e não dando palpites filosóficos baseados na ideia de que Deus é um velhinho barbudo, pode ser que ele tenha mais credibilidade para fornecer essa informação.) Nesse caso, o ateísmo é que seria resultado de influência cultural e não o teísmo. Se for uma tendência natural do ser humano procurar se relacionar com o transcendente (e responder perguntas sobre a realidade como “por que existe tudo ao invés do nada?”, “qual o sentido da vida?”, “qual o conceito de certo e errado?” e por aí vai, que podem ser encontradas em alguma noção de Deus ou na escolha de alguma religião que responda satisfatoriamente essa questão), então o neo-ateu errou de novo na sua segunda ideia. O debate continuaria assim:
- NEO-ATEU: Todos nascem ateus. O único motivo pelo qual passamos a acreditar em Deus é por pressão da sociedade.
- REFUTADOR: Espere um pouco: você definir ateísmo como uma postura racional em frente a um conjunto de crenças específicas e cognoscíveis, não é mesmo?
- NEO-ATEU: Claro. Penso, logo sou ateu.
- REFUTADOR: Então um bebê NÃO é ateu, pois ele é IRRACIONAL e incapaz de adotar uma postura, até mesmo de descrença, pois sequer conhece o conjunto de crenças específicas. O único motivo pelo qual ele é ateu é porque não tem neurônios suficientes para saber se isso é o certo ou errado. O melhor – de longe – é defini-lo como NEUTRO nessa polêmica. Esse seu chute foi parar direto na arquibancada.
- NEO-ATEU: Ok. Mas quando ele passasse a raciocinar, ele seria ateu. O único motivo pelo qual ele não é ateu é porque obrigam ele a acreditar em Deus.
- REFUTADOR: Você teria que demonstrar que TODOS os eventos que possivelmente levem à crença em Deus se dão por constrangimento social. Se houver alguma hipótese possível em contrário, você falhou. Por exemplo: se existir a possibilidade de nossa programação cerebral tenha sido moldada para a crença em Deus, significa que é o ateísmo é que resulta de influências culturais, não o teísmo. Você tem como provar que essa hipótese é falsa?
- NEO-ATEU: Hã… Do que estávamos falando mesmo?
Em resumo, a refutação segue essa linha:
1- Se o ateísmo é uma posição racional sobre um conjunto de crenças, então o recém-nascido NÃO é ateu, pois ele é IRRACIONAL.
2- Se o ateísmo conta também com a irracionalidade, então não há “mérito” algum nessa informação, pois o ateísmo da criança é decorrente de sua FALTA de CAPACIDADE mental.
3- A partir daí a pergunta que deve ser feita é: ao começar a raciocinar, mesmo em um ambiente não-teísta, ela necessariamente iria ser descrente em/negar a existência de Deus? Se a resposta for não e alguma hipótese do tipo (A) seres humanos naturalmente estão inclinados a acreditar ou se relacionar com Deus/procurar uma religião for plausível, então a tese “somente passam a acreditar em Deus por “influência externa” também é derrubada.
4- Por fim, tudo isso não faz nem cócegas na veracidade do Cristianismo ou do teísmo é, no máximo, uma discussão curiosa sobre a tendência do seres humanos a crença em Deus.
Conclusão e considerações finais:
Essa é mais uma técnica sem qualquer valor de verdade, sua utilidade é puramente um jogo psicológico, que coloca contra a parede teístas como se fossem “manipulados pelo mundo”, enquanto ateus são realistas, ao molde da velha falácia Ateus são fortes, Teístas são Fracos. Para os que querem um debate sadio, esse estratagema não contribui em nada logicamente.
Referências:
https://projetoquebrandooencantodoneoateismo.wordpress.com/outras-postagens/
Referências:
https://projetoquebrandooencantodoneoateismo.wordpress.com/outras-postagens/
1 comentários
Ateísmo, niilismo é existencialismo são posições filosóficas.
ResponderExcluir