Aborto e Moralidade: uma análise do valor da vida
Aborto e Moralidade: uma análise do valor da vida
Antes de começarmos a análise, vos deixo claro que este não é um texto de cunho religioso. Aqui, não encontraremos trechos bíblicos ou apelos religiosos. Os argumentos aqui apresentados se resumem à ciência e à filosofia. Ainda assim, antes de darmos início ao diálogo, devemos estabelecer o que é vivo e, obviamente, o que é vida. De acordo com as definições mais comumente utilizadas, a vida é uma propriedade, que, por sua vez, nada mais é que uma qualidade objetiva possuída por um ser.
O início da vida
O início da vida
Para compreendermos corretamente a dinâmica da vida, devemos, então, partir do ponto inicial: a fecundação. De maneira simples, o processo de fecundação se dá no momento em que o espermatozoide ingressa no gameta feminino, onde os núcleos masculino e feminino entram em contato íntimo e replicam o seu DNA. Esta união, por fim, gera uma nova célula, chamada zigoto. Nessa etapa de formação, todos os traços do indivíduo, como tipo de corpo, olhos e cabelo cor, características faciais e assim por diante, já foram totalmente determinados no momento da concepção e está apenas esperando para acontecer. O zigoto possui uma identidade genética própria, diferente da que pertence aos que lhe transmitiram a vida, e a capacidade de regular o seu próprio desenvolvimento, o qual, se não for interrompido, passará por cada um dos estágios evolutivos do ser vivo, até a sua morte natural. Durante as horas em que dura a fecundação, o DNA de ambos os progenitores se funde para alcançar a estrutura e padrão próprios do novo indivíduo e, ao mesmo tempo, com a fecundação, coloca-se em funcionamento o motor de desenvolvimento embrionário com o qual se inicia uma nova vida. Este novo ser vivo, já um embrião, se divide depois em duas células, cada uma delas com uma finalidade biológica definida; depois, em quatro células e assim por diante, até formar um organismo completo e estruturado. Até aqui, é possível perceber que o todo o processo de fecundação passou por seis etapas fundamentais no que concerne ao entendimento do que é vida:
• Desenvolvimento: passagem por várias etapas distintas e sequenciais, que vão da concepção à morte.
• Crescimento: absorção e reorganização cumulativa de matéria oriunda do meio; com excreção dos excessos e dos produtos "indesejados".
• Movimento: em meio interno (dinâmica celular), acompanhada ou não de locomoção no ambiente.
• Reprodução: capacidade de gerar entidades semelhantes a si próprio.
• Resposta a estímulos: capacidade de "sentir" e avaliar as propriedades do ambiente e de agir seletivamente em resposta às possíveis mudanças em tais condições.
• Evolução: capacidade das sucessivas gerações transformarem-se gradualmente e de adaptarem-se ao meio.
Obviamente, no processo de fecundação ocorre o desenvolvimento distinto e sequencial das partes do ser vivo; há o crescimento, haja a vista a reorganização cumulativa da matéria na fase de divisão celular; há movimento (ser animado); há reprodução, ou mais precisamente, na fase celular, auto-replicação; há resposta a estímulos, pois as células possuem a capacidade de interação, mesmo em mudanças de condições; e por fim, há sujeição à evolução, assim como qualquer ente biológico. Deste modo, temos como ponto inicial da vida a fecundação.
Um feto em desenvolvimento é um ser humano?
Se um ser humano é um recém-nascido, um adolescente ou um adulto, ele é, em cada ponto, um ser humano em um estágio diferente de seu desenvolvimento. Aqueles que negam que, o que há no útero é um ser humano, normalmente confunde ser humano com um ser em algum estágio posterior de desenvolvimento. Por exemplo, alguns defensores do aborto dizem que, porque um embrião não é um bebê, não é um ser humano e, portanto, o aborto é moralmente aceitável. Este argumento, no entanto, é completamente falacioso. Por esse raciocínio, poderíamos dizer que, porque uma criança não é um adulto, ele não é um ser humano; ou porque um bebê não é uma criança, ele não é um ser humano. Claro que um embrião não é um bebê, mas isso não quer dizer que um embrião não é um ser humano. Todas estas nomenclaturas são simplesmente as várias fases de desenvolvimento de um ser humano. Além disso, é importante ressaltar que, cerca de dois meses após a concepção, o embrião já se torna um feto. Nós não estamos lidando neste momento com um aglomerado de células, mas com um ser muito pequeno dotado de um rosto, braços, pernas, pés e mãos. Todos os órgãos do corpo já estão presentes, e até mesmo os músculo e sistemas circulatórios estão completos, bem como as atividades das ondas cerebrais funciona a pleno vapor. O fato é que, desde a concepção até à velhice, tem-se os vários estágios de desenvolvimento na vida de um ser humano. Parece-me, portanto, que os fatos médicos e científicos tornam praticamente inegável que um feto em desenvolvimento é um ser humano.
O valor da vida em um universo moralmente subjetivo
Após definirmos com sucesso o que é a vida e o que é vivo, nos resta definir qual é o valor da vida. Em uma cosmovisão naturalista e moralmente subjetiva, a natureza pode ser resumida como sendo desprovida de propósito. Não há vida após a morte, não há julgamentos e tampouco existe um padrão moral que transcende espaço, tempo e cultura. Temos aqui um universo livre de qualquer dualidade. Todas as regras éticas e morais seriam estritamente derivadas de convenções sociais, isto é, cada sociedade define para si o que é certo e errado. No entanto, tal subjetividade moral mostra-se contraditória. A razão nos diz que duas verdades mutuamente excludentes é uma impossibilidade lógica, afinal, um lápis não pode ser monocromaticamente verde e azul ao mesmo tempo. O mesmo princípio lógico se aplica à subjetividade moral: se uma sociedade define que a pena de morte, a título de exemplo, é certo e outra sociedade diz que é errado, logo, qual delas está certa? Obviamente, nenhuma delas. Desta forma, ideias como moral, ética, certo, errado, bem e mal, tornam-se apenas meras ilusões subjetivas, ou seja, opiniões pessoais, dando lugar a um único e verdadeiro objetivo: a sobrevivência. Nesse cenário, sem rumo e sem propósito, nós seríamos meros seres biológicos desprovidos de qualquer valor objetivo. No fim, somos apenas pedaços de carne que interagem e tem reações químicas no corpo cujo único objetivo é, nas palavras de Richard Dawkins, propagar DNA. Obviamente, tal visão tem implicações éticas: se nós, meros sacos de uma sopa primordial reorganizada decidimos assassinar outro saco de sopa primordial reorganizada, o que é o assassinato senão um saco de compostos químicos impactando outro saco de compostos químicos?
Nesse cenário puramente material e moralmente subjetivo, nossas mentes seriam apenas subprodutos naturais do acaso, tal como sugere o naturalismo. Se as leis da natureza, na cosmovisão em questão, possuem caráter prescritivo, isto é, guiam o mundo natural, logo, as mesmas se tornam pré-determinantes, ou seja, todo o efeito (leis da natureza) estaria presente por completo na causa (universo), o que configura um determinismo de caráter inconsciente e mecanicista: a determinação é colocada no passado, em uma sucessão de causas que tem sua explicação no início do universo. Logo, se nossas mentes são meros produtos da evolução biológica, que por sua vez, é subordinada às leis determinantes da natureza, não teríamos o mais valioso dos valores: A LIBERDADE. Dessa forma, nós não teríamos igualmente o controle dos nossos próprios pensamentos, ficando acorrentados à determinação físico-biológica.
Se em um mundo moralmente subjetivo, a vida não tem, de fato, valor algum, logo não há qualquer implicação ética ou moral em realizar um aborto. Na realidade, qualquer tipo de valor moral seria desprovido de sentido, afinal, em um mundo subjetivo, nós fazemos as regras de acordo com nossa sociedade, ao passo que nossas ações são pré-determinadas pelas leis da natureza. Nesse cenário, se os elementos materiais fossem os únicos responsáveis pela moralidade, logo, nenhum de nós teria verdadeira responsabilidade moral por nenhum ato que viéssemos a cometer, pois nós apenas teríamos algumas propriedades biológicas substanciais instauradas em nossos cérebros sujeitas às leis determinantes da natureza. Nessas circunstâncias, todo e qualquer valor moral seria reduzido a uma mera ilusão propagada por nossos cérebros sem valor algum. No entanto, por que os militantes pró-aborto insistem em pautar suas argumentações em valores como dignidade da mulher e a liberdade de seus corpos? Por que alguns militantes pregam o aborto ao passo que acham injusto um bebê vir ao mundo para sofrer, caso este venha a nascer em um lar desestruturado? O que os faz pensar que esses valores que pregam, de fato, existem em um mundo subjetivo? O que os faz pensar que a vida tem algum valor nesse cenário? Ao pregarem o aborto frente à morte de mulheres em clínicas clandestinas, gravidez indesejada ou até mesmo tratar o assunto como um caso de saúde pública, estão, na verdade, maquilando a questão e relativizando os valores que constituem o arcabouço de toda a discussão: a justiça, a liberdade e a dignidade. Esta é, obviamente, uma explícita contradição com relação ao que acreditam: ao passo que relativizam-se os valores morais, o conceito de vida e o seu valor inato, ao mesmo tempo, afirmam-se valores como justiça, liberdade e dignidade da mulher.
O valor da vida em um universo moralmente objetivo
Nesse cenário puramente material e moralmente subjetivo, nossas mentes seriam apenas subprodutos naturais do acaso, tal como sugere o naturalismo. Se as leis da natureza, na cosmovisão em questão, possuem caráter prescritivo, isto é, guiam o mundo natural, logo, as mesmas se tornam pré-determinantes, ou seja, todo o efeito (leis da natureza) estaria presente por completo na causa (universo), o que configura um determinismo de caráter inconsciente e mecanicista: a determinação é colocada no passado, em uma sucessão de causas que tem sua explicação no início do universo. Logo, se nossas mentes são meros produtos da evolução biológica, que por sua vez, é subordinada às leis determinantes da natureza, não teríamos o mais valioso dos valores: A LIBERDADE. Dessa forma, nós não teríamos igualmente o controle dos nossos próprios pensamentos, ficando acorrentados à determinação físico-biológica.
Se em um mundo moralmente subjetivo, a vida não tem, de fato, valor algum, logo não há qualquer implicação ética ou moral em realizar um aborto. Na realidade, qualquer tipo de valor moral seria desprovido de sentido, afinal, em um mundo subjetivo, nós fazemos as regras de acordo com nossa sociedade, ao passo que nossas ações são pré-determinadas pelas leis da natureza. Nesse cenário, se os elementos materiais fossem os únicos responsáveis pela moralidade, logo, nenhum de nós teria verdadeira responsabilidade moral por nenhum ato que viéssemos a cometer, pois nós apenas teríamos algumas propriedades biológicas substanciais instauradas em nossos cérebros sujeitas às leis determinantes da natureza. Nessas circunstâncias, todo e qualquer valor moral seria reduzido a uma mera ilusão propagada por nossos cérebros sem valor algum. No entanto, por que os militantes pró-aborto insistem em pautar suas argumentações em valores como dignidade da mulher e a liberdade de seus corpos? Por que alguns militantes pregam o aborto ao passo que acham injusto um bebê vir ao mundo para sofrer, caso este venha a nascer em um lar desestruturado? O que os faz pensar que esses valores que pregam, de fato, existem em um mundo subjetivo? O que os faz pensar que a vida tem algum valor nesse cenário? Ao pregarem o aborto frente à morte de mulheres em clínicas clandestinas, gravidez indesejada ou até mesmo tratar o assunto como um caso de saúde pública, estão, na verdade, maquilando a questão e relativizando os valores que constituem o arcabouço de toda a discussão: a justiça, a liberdade e a dignidade. Esta é, obviamente, uma explícita contradição com relação ao que acreditam: ao passo que relativizam-se os valores morais, o conceito de vida e o seu valor inato, ao mesmo tempo, afirmam-se valores como justiça, liberdade e dignidade da mulher.
O valor da vida em um universo moralmente objetivo
Os valores morais objetivos como honra, dignidade, justiça e liberdade, que constituem o arcabouço moral, são valores que constituem uma verdade em si mesmos, independentemente de qualquer convenção humana. Em outras palavras, os valores morais objetivos são verdades eternas, absolutas e auto-existentes que independem de qualquer cultura ou opinião pessoal. Desta forma, eles servem como um parâmetro absoluto para pautarmos nossas ações. Através da experiência pessoal, sabemos que sempre emerge de dentro de todos nós, vindos de qualquer cultura, o sentimento de certo e errado. Até mesmo um ladrão se sente frustrado e mal tratado quando alguém o rouba. Se alguém rapta uma criança da família e a violenta sexualmente, há uma revolta e raiva que confrontam aquele ato como maléfico, independente da cultura. De onde vem essa noção de errado? Como explicamos uma lei universal na consciência de todas as pessoas de diversas culturas dispostas no espaço e diversificadas no tempo, que diz que assassinato por diversão é errado? Valores e deveres como coragem, morrer por uma causa, amar, ter dignidade, dever e compaixão, perceptíveis em toda e qualquer cultura, mesmo que expressas de formas distintas, de onde vem isso tudo? Se as pessoas são meros produtos da evolução física, onde visa-se a sobrevivência, por que nos sacrificamos uns pelos outros e louvamos quem o faz? De onde herdamos essa noção interior de certo, errado, bem e mal? A resposta mais racional é que a nossa consciência é fundamentada em valores e deveres morais objetivos.
Ainda que existam divergências com relação à aplicação dos valores morais em diversas culturas, os mesmos são objetivos e universais. Em toda e qualquer cultura, o heroísmo, o altruísmo, a liberdade e a justiça são objetivados e exaltados, isto é, esses valores são válidos em toda e qualquer parte do universo, sendo, em função disso, universais. As culturas que praticam o infanticídio, a título de exemplo, o fazem a fim de garantir a sobrevivência da tribo e, por vezes, expressa através da cosmogonia. Mães amorosas são muitas vezes forçadas pela tradição cultural a trair seus instintos e desistir de suas crianças. Algumas preferem se suicidar a fazer isso. Outras têm que conviver com a dor e o remorso pelo resto da vida. Em alguns casos, as mães lutam pela vida de seus filhos enquanto podem, e são obrigadas a viverem excluídas da sociedade ou a se refugiar fora da sua comunidade. O que percebemos aqui? A presença de valores em comum: Heroísmo , altruísmo e sacrifício expostos das mais variadas formas. Feministas pregam a liberdade de seus corpos; Conservadores pregam o direito à vida, isto é, dignidade. A todo momento valores morais são afirmados e reafirmados. Portanto, é evidente que o que muda de sociedade em sociedade é a interpretação sobre eles, e não os valores em si. Confundir comportamento com valor é um erro muito comum. Basicamente, trata-se de uma confusão entre aquilo que é com o que deveria ser. O que pessoas fazem pode mudar, mas o que deveriam fazer, não. Eis abaixo alguns exemplos:
(1) Um indivíduo pró aborto é a favor de tal posição porque considera um direito da mulher, já um conservador é contra o ato pois considera assassinato. Perceba que eles discordam acerca do que é considerado assassinato, mas não se assassinato é ou não é errado.
(2) Um indivíduo a favor da pena de morte considera tal ato como justiça, já um indivíduo contra a pena capital considera que é injusto. Observe que eles discordam acerca do que é justiça e não se devem ou não ser justos.
À luz dos exemplos acima, fica evidente que o valor em questão (justiça) é realmente um valor objetivo e universal ao passo que o que muda, de fato, é a interpretação acerca do valor da justiça.
No entanto, se nossa consciência é fundamentada em valores e deveres morais objetivos, por que insistimos em relativizá-los? Como bem disse o notável Francisco Razzo: Há uma enorme diferença entre ser uma coisa (um algo) e ser uma pessoa (um alguém). Uma coisa não tem valor, uma pessoa tem valor irredutível. Esta tênue linha de distinção é o motor de todos os problemas, e o seu combustível é a relativização. Uma vez que nenhum fato revela imediatamente o seu valor, todos os valores são atribuídos subjetivamente às coisas. Ninguém possui autonomia para valorar ou desvalorar alguma coisa. O valor de uma pessoa é indissociável: ou está lá desde a fecundação ou nunca estará. Para o naturalismo metodológico, não há nada além daquilo que o método possa enxergar, analisar e explicar. O ser humano é, para biologia, um fato biológico; para a química, um fato químico; para a física, um fato físico. São fatos desprovidos de valores, afinal, a ciência não tem capacidade de valorar algo. A ciência pode nos dizer o que ocorreu nos campos de concentração nazista, mas não pode nos dizer se o que houve lá foi bom ou ruim. Em tempo: nenhuma ciência é capaz de dizer objetivamente o que é o homem. A ciência explica o que o homem é segundo o escopo científico adotado por cada disciplina, seja a biologia, a química ou a física. Em outras palavras, a ciência investiga suas partes pertinentes, mas não o todo. O fato é que há uma irredutibilidade no ser humano. Essa característica, por ser objeto de estudo da filosofia (mais precisamente da metafísica), não pode ser objeto de ciência sob pena de incorremos em uma falácia metodológica. O que determina e diferencia um embrião humano de um embrião de qualquer outro animal ou até mesmo de um pedaço de metal é, portanto, sua essência.
"Meu corpo, minhas regras"
Muitos militantes pró-aborto, ao pautarem suas defesas em um princípio de valor objetivo tal como a liberdade do corpo, utilizam como arma: "meu corpo, minhas regras". Para responder a essa questão, tomemos como exemplo a seguinte analogia: imaginemos que temos dentro de nosso apartamento um "visitante indesejado". Minha casa, minhas regras? Sim, mas devemos ter em mente que o visitante não é parte de nossa casa. Ele é apenas um hóspede que está sob nossa tutela. Nós não podemos simplesmente jogá-lo pela janela, mas devemos fazer o possível para que o mesmo saia em segurança. Trazendo a questão à realidade, o corpo é, de fato, da mulher, porém, o feto (um indivíduo com valor inato) é outro ser, que por sua vez, está sob a tutela da primeira e possui seu direito inalienável à vida.
Seres humanos possuem valor moral intrínseco?
O conceito de valor (do latim valore) exprime uma relação entre as necessidades de um indivíduo, como respirar, comer, viver, reproduzir e ser livre. Para Sartre, por exemplo, a liberdade é a condição ontológica do ser humano: "O homem é, antes de tudo, livre". A liberdade, considerando-se a discussão anterior acerca da objetividade e subjetividade de valores, é, portanto, um valor ontológico e objetivo, intrínseco ao ser humano. Após compreendermos as noções de valores objetivos, subjetivos, o conceito de vida e essência do ser, proponho que respondamos a seguinte pergunta: os seres humanos possuem, de fato, valor intrínseco? Bem, sabemos que algo tem valor intrínseco se é um fim em si, ao invés de um meio para algum fim. Coisas que são valiosas apenas como meio para um fim têm apenas valor extrínseco. O dinheiro, a título de exemplo, não possui valor intrínseco, em si e por si. Pelo contrário, ele possui valor extrínseco, na medida em que é um meio útil de comércio para os seres humanos e por isso é valioso para nós, para os fins que nos ajuda a alcançar. Mas em si é intrinsecamente inútil. É apenas papel. Mas e os seres humanos? Acredito, sinceramente, que a maioria das pessoas, ao menos uma vez, reconhecem que os seres humanos são intrinsecamente valiosos. As pessoas não são apenas valiosas como meio para algum fim, mas, em vez disso, são valiosas pois são fins em si mesmos. É por isso que Santo Agostinho disse: devemos amar as pessoas e usar as coisas, e não vice-versa. Portanto, aqueles que usam as pessoas e amam as coisas estão, na verdade, fazendo algo profundamente imoral, haja vista que eles não reconhecem o valor intrínseco e a dignidade de outras pessoas, que, por sua vez, não são meros objetos.
A própria comunidade internacional reconhece o valor moral intrínseco dos seres humanos na sua declaração sobre os direitos humanos. A noção de que as pessoas têm direitos inerentes apenas em virtude do fato de que eles são seres humanos, independentemente de sua etnia, classe, religião, casta ou posição na vida, é baseado no valor moral inerente dos seres humanos. Esta verdade é reconhecida até mesmo na nossa Constituição, onde se afirma que todos os homens são dotados de certos direitos inalienáveis, como o direito à vida e à liberdade. A maioria de nós, quando refletimos sobre ela, chegaria a uma conclusão semelhante: sim, os seres humanos possuem valor moral intrínseco. Isso, consequentemente, implica que, se um feto em desenvolvimento é um ser humano, então ele ou ela é dotado de valor moral intrínseco e, portanto, possui direitos humanos inerentes, incluindo o direito à vida. Nesse cenário, o aborto seria uma forma de homicídio. Contra esse crime, portanto, os fetos inocentes e indefesos teriam todo o direito à proteção da lei, afinal, o que muda é apenas a localização geográfica do feto.
O argumento final
Após uma longa discussão sobre valores, proponho um argumento lógico-estrutural em defesa da vida com base no argumento da moralidade objetiva:
1- Se valores objetivos não existem, logo, nenhum ser humano possui valor intrínseco.
2- Valores objetivos existem.
3- Logo, todo ser humano possui valor intrínseco.
4- A liberdade é um valor intrínseco.
5- Logo, todo ser humano possui liberdade.
6- Um feto em desenvolvimento é um ser humano.
7- Logo, um feto em desenvolvimento possui liberdade.
8- O direito à vida está diretamente relacionado à liberdade.
9 (7)- Um feto em desenvolvimento possui liberdade.
10- Portanto, todo feto em desenvolvimento possui direito à vida.
Este argumento que construí, visa defender o direito à vida com base no argumento da moralidade objetiva, que por sua vez, evidencia a existência de valores e deveres morais objetivos no mundo. Parece-me, à priori, um argumento bastante consistente e a única forma de desconstruí-lo seria demonstrando que os valores e deveres morais são subjetivos ou que um feto em desenvolvimento não é um ser humano. Negar a primeira premissa é negar os princípios mais elementares da natureza humana, ao passo que negar a segunda é negar efetivamente a própria natureza humana. É claro que este argumento não vai impedir alguém de abortar, e nem é esse o propósito do texto. O propósito do argumento é, na verdade, demonstrar que o aborto fere indiscriminadamente a liberdade do ser e, consequentemente, o direito à vida. Tal violação de princípios básicos como a dignidade, dentre eles, o que considero ser o mais importante - a liberdade -, constitui, antes de uma possível contravenção penal, uma abominação moral, pois se há a privação deliberada do direito de viver, há a compreensão do quanto, de fato, vale a vida de um bebê. Lamentavelmente, nada. Que este texto sirva, não para fins da esfera legal, mas para o ajuste de nossa bússola moral.
Conclusão e considerações finais
O texto nos alerta que o ser humano não deve ser visto apenas como um emaranhado de partículas, um saco de sopa primordial reorganizado ou um sistema que interage quimicamente entre si. É, evidentemente, um pensamento extremamente reducionista enxergar o homem como um mero objeto animado sujeito ao escopo do naturalismo metodológico, ao passo que ignoramos por completo a metafísica da natureza humana. Tal visão cientificista é facilmente refutada ao passo que todos os dias, nós, humanos, concebemos, como realidade, ideias e valores que estão, não somente fora do alcance da metodologia científica, mas sujeitos estritamente à metafísica, tais como valores e julgamentos estéticos, éticos e morais; verdades lógicas e matemáticas e até mesmo a própria ciência, que por sua vez, parte de pressupostos filosóficos. Ignorar a metafísica é ignorar os princípios mais elementares do pensamento racional. Pensar o ser humano dessa forma é desprovê-lo de todo e qualquer valor objetivo e, consequentemente, desprovê-lo de sua essência. Pensá-lo como um todo, e não somente uma parte, é o que deve ser feito, pelo bem da razão.
Referências: W.L. Craig; Francisco Razzo.
42 comentários
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/05/uniao-sovietica-foi-pioneira-nos-bdireitos-das-mulheresb-afirma-historiadora-americana.html
ResponderExcluirVocê provavelmente já deve ter ouvido muitos humanistas ateus afirmando algo como "Nós não precisamos de Deus como nossa muleta! Não podemos deixar a crença em Deus limitar o potencial humano! Livrar-se de Deus é o maior salto para do homem moderno para o pleno desenvolvimento!" Nesse vídeo, o filósofo e teólogo William Lane Craig discute não é possível viver de forma feliz e logicamente consistente com essa visão de mundo pois, se Deus não existe, a vida é sem significado, valor e propósito fundamentais.
ResponderExcluirEmbora isso não prove que Deus existe (as evidências da existência de Deus são discutidas em outros recursos deste canal), isso nos ajuda a refletir sobre a seriedade da questão "Deus Existe?" Pois, como disse Nietzche, muitas pessoas prosseguem em seu caminho sem refletir nas terríveis consequências do ateísmo.
Exato.
Excluir"se Deus não existe, a vida é sem significado, valor e propósito fundamentais." Sim, a vida não possui significado ou propósito. A questão do valor é outra. Se reconhecer isso te frustra (a você ou qualquer outra pessoa/grupo social), não significa que criar um deus/religião irá alterar algo. Procure dar-se um propósito, procure encontrar-se e não agarrar-se cegamente à algo externo. Dizer que "não é possível viver de forma feliz e logicamente consistente com essa visão de mundo" , é buscar na lógica um propósito. Esqueça a lógica, valorie a emoção, valorize os sentidos, busque o que você tem hoje. O amanhã não virá, o presente aqui está. Criar um deus/religião é empurrar a felicidade de hoje para um mundo "lógico" de amanhã.
ExcluirEm primeiro lugar, se a vida não tem significado, logo, todos os valores deixam de existir. Niilismo = subjetivismo extremo. Eu reconheço que existem valores e deveres morais objetivos, logo, há um propósito objetivo no mundo. Em segundo lugar, quando você pressupõe que deus foi criado, cabe a você provar sua afirmação. Caso contrário, não passará de achismo, sendo, portanto, irrelevante. Por fim, para refutar a sua ideia de um mundo sem propósito: se é o ser humano o criador de todas as regras, valores e deveres morais no mundo, o que nos impede de dizer um psicopata está errado ao buscar sua felicidade na tortura dos outros? Favor, ler sobre niilismo. Leitura altamente recomendada: http://www.razaoemquestao.blogspot.com.br/2013/11/o-dilema-moral-do-ateismo.html
ExcluirObrigado pelo comentário.
Falácia genética: desaprovar a crença dos outros usando como contra argumento a explicação da origem desta sua crença.
ExcluirMuito bem colocado, Anônimo.
ExcluirO que é o nada jocaxiano?
ResponderExcluirÉ simplesmente uma versão logicamente deturpada do verdadeiro "nada".
ExcluirO que acha disto?
Excluirhttp://rationalwiki.org/wiki/William_Lane_Craig
Excluirsobre...?
ExcluirO link acima.
ExcluirSempre as mesmas objeções falhas. Tratar vácuo quântico como nada, entre outras objeções já batidas... Parece-me que alguns ateus insistem no erro porque, aparentemente, não há saída.
ExcluirAlém de partirem para a ignorância contra Craig. Todo neo ateu detesta Craig
Excluirhttp://www.respostasaoateismo.com/2014/09/sobre-bertrand-russell-e-por-que-ele.html?m=1
ExcluirRussell era matemático pelo que sei, mas como ele não ouviu falar a respeito do modelo cosmológico moderno e simultaneamente contemporâneo?
Esse artigo do David é muito bom! Russell focava muito no campo da filosofia moral. Ele cometeu os mesmos erros que é praticamente unanimidade no ateísmo moderno. A afirmação de valores objetivos sem uma base que possa sustentá-los.
ResponderExcluirSe a natureza é indiferente por definição, faz algum sentido que haja deveres a serem cumpridos?
ExcluirSou ex ateu e notei que não há RAZÃO ALGUMA e fundamento nenhum para que tenhamos obrigações a cumprir no Ateísmo.
ExcluirNosso senso moral implica objetividade, exemplos:
ExcluirVerdade não possui o mesmo valor que mentira.
O simples fato de haver censuras a respeito de nossas ações implica que estas possuem consequências reais.
O Ateísmo é absolutamente neutro quanto a moralidade.
Somos apenas máquinas capazes de matar e de amar no mesmo nível.
Não há fundamento algum no ateísmo, haja vista a ausência de qualquer sentido objetivo na vida. Moralidade não existe nesse cenário, o que há é um impeto à sobrevivência.
ExcluirPara muitos ateus que não entendem a própria cosmovisão e se autodenominam realistas morais, a moralidade é resumidamente evitar o sofrimento e exaltar o bem estar dos seres humanos.
ResponderExcluirhttp://m.youtube.com/watch?v=DHGb71UR5EY
ExcluirHarris chama o sofrimento de maior miséria possível.
http://googleweblight.com/?lite_url=http://tratadonaturalista.blogspot.com.br/2013/07/o-argumento-moral-para-existencia-de.html%3Fm%3D1&lc=pt-BR&s=1&m=785&ts=1443299195&sig=APONPFm4i2DVlQ-C5S0FbRFrEQq19FIdAw
ExcluirAndrei vc encerrou a atividade no blog?
ResponderExcluirAo que parece, o sujeito nunca mais respondeu meus questionamentos.
ExcluirTalvez esteja desenvolvendo seus interesses acadêmicos. Talvez seja uma possibilidade crível.
ExcluirEspero que ele não delete o blog, afinal, abaixo do fé racional e quebrando o encanto do neo Ateísmo, este é o maior blog apologético que já li a respeito.
ExcluirAndrei, por favor, volte!
Excluirctz cara, os posts dele são muito bons
ExcluirDe acordo. Enfim, sugiro que leia o dilema moral do naturalismo.
ExcluirBoa noite a todos, novamente, eu gostaria de me desculpar pela ausência. Devido à greve das universidades federais, eu estou tendo bastante trabalho com a minha pesquisa que havia sido paralisada. Além do mais, infelizmente, careço de apoio aqui no Blog. Além do mais, obrigado pelos elogios e posso afirmar que farei de tudo para continuar contribuindo com mais postagens.
ExcluirMelhoras e sucesso em sua carreira acadêmica como antropólogo.
ExcluirSucesso com a carreira, comecei a ver seu blog a pouco tempo e ja gostei muito (sou o primeiro cara que comentou).
ResponderExcluirObrigado pelo elogio! Espero, sinceramente, poder contribuir de alguma forma com o meu trabalho.
ResponderExcluirDo que se trata quando alguém afirma que valores morais são objetivos? O que alguém quer dizer ao afirmar isso? Cabe a prova, lógico.
ExcluirPoderia me dizer o que é um parâmetro ou sistema filosoficamente?
ExcluirAfinal o que significa objetividade em filosofia?
ExcluirObjetividade, segundo a filosofia, um ente objetivo é real e verdadeiro independentemente de qualquer inferência humana. O ser humano teria contato direto com essa realidade externa através dos sentidos e pelo processo de formação de conceitos com o uso da lógica dedutiva e indutiva.
Excluirparâmetro nada mais é que uma base ou sustentação para algo. Por exemplo, sabemos o que é uma linha reta através de uma paralela. Deste modo, utilizamos uma reta como parâmetro para outra.
ExcluirPorque o cristianismo é contra a homossexualidade?
ResponderExcluirÉ extremamente importante ressaltar que a bíblia não condena uma pessoa que tenha tendência homossexual, o que ela condena é a prática homossexual. Da mesma forma, uma pessoa com tendência ao alcoolismo não pode ser condenada, mas sim a prática correspondente. O raciocínio, do ponto de vista cristão, é basicamente esse:
Excluir(1) Temos obrigação de fazer a vontade de Deus.
(2) A vontade de Deus está expressa na Bíblia.
(3) A Bíblia condena a prática homossexual.
(4) Logo, a prática homossexual é contrária à vontade de Deus, ou seja, é errada.
No que tange à premissa dois, está expresso, tanto no AT como no NT, que a prática homossexual é condenável, logo, é, aos olhos de um cristão, errado. Por fim, a bíblia, de forma clara e consistente, proíbe a prática homossexual. Sendo assim, se a vontade de Deus está nela expressa, conclui-se que a prática homossexual é contrária à vontade de Deus.