Cultura religiosa é atentado contra o Estado Laico?

by - agosto 26, 2013


Um dos maiores ataques dos neo-ateus se refere a uma “inexistência” do Estado Laico no Brasil. Nesse artigo, tento analisar se a reclamação é justa ou se é somente mais uma fraude intelectuais ou "chantagismo" praticado pelos militantes ateus.

Qual o verdadeiro significado de Estado Laico?

Com muita frequência, Estado Laico é confundido com “estado com liberdade religiosa”. Mas isso não é necessariamente verdade. Estado Laico se refere à separação entre as funções administrativas de Igreja e Estado. Um estado pode ser confessional (isto é, com unificação de Igreja e Estado) e ainda assim dar liberdade de crença. Vamos dar um exemplo: segundo o site oficial da Noruega no Brasil, naquele país a situação é que: “o Rei é o responsável global pelo controlo governamental da Igreja. A responsabilidade administrativa é da competência do Ministério da Cultura e Assuntos Eclesiásticos, ao passo que o Storting (Parlamento Norueguês) se encarrega de adotar a legislação relacionada com a Igreja bem como dos respectivos orçamentos. Todos os bispos e decanos são designados pelo Governo. O órgão máximo eclesiástico é o Sínodo Geral.”

Dá para ver que não há separação entre a Igreja e o Estado, inclusive com os bispos sendo escolhidos pelo governante. Mas, até onde me consta, não estão proibidos outros exercícios de crença na Noruega, nem houve nenhum grande protesto contra a “falta de liberdade religiosa no país”. Portanto, a Noruega não é um Estado Laico, mas mesmo assim dá liberdade religiosa. O Estado pode tanto ser confessional e livre, como ser laico e sem liberdade (por interesses políticos dos governantes em suprimir uma organização, por exemplo).

No Brasil, o Estado Laico se baseia, principalmente, no seguinte artigo da Constituição:


Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Se quisermos dizer que há uma contradição entre Estado Laico e alguma das manifestações existentes no Brasil, então é ESSE artigo que precisa ser violado. Para continuarmos o artigo vamos considerar dois pontos nessa análise, de qualquer forma, pois são os mais reclamados:

1- Separação entre Igreja e Estado (Estado Laico).

2- Impedimento de liberdade religiosa.

3- A Constituição Brasileira diz no seu parágrafo de abertura: “…promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” No dinheiro, também temos escrito “Deus seja louvado” e isso é um atentado contra o Estado Laico. Isso de forma alguma fere o Estado Laico, pois, como vimos Estado Laico é separação entre Igreja e Estado. O simples fato da palavra “Deus” estar na Constituição – em uma seção que não tem sequer força normativa, que é o preâmbulo – e em cédulas não cria nenhum vínculo que viole o art. 19, inciso I da CF. Além disso, “Deus” é uma palavra que transcende uma religião ou igreja específica, sendo usada por cristãos, judeus, muçulmanos, alguns budistas, deístas ou quem somente acredita em “uma força superior” (os famosos “spiritual, but not religious”).  Estado Laico não é Estado Ateu ou Agnóstico – ele pode muito bem adotar essas pequenas sentenças sem nenhum prejuízo de direito a ninguém. Portanto a liberdade de crer no quiser também não foi atingida.

4- Se verificarmos, veremos que nos tribunais e assembleias legislativas não existe uma Estrela de Davi ou Suástica Budista, o que temos é um crucifixo na parede. Para o Estado ser Laico, seria necessário ter TODOS símbolos religiosos colocados ali. Isso não é verdade. Os crucifixos estão ali por um motivo específico, que é o passado cultural cristão do país. Esses crucifixos foram, na sua maioria, colocados lá como manifestação cultural em uma época em que as coisas não eram tão separadas assim. Deveríamos manter lá ou tirá-los?



A Constituição Federal nos dá a direção:
Seção II, DA CULTURA: Art. 215. § 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.


Sendo os cristãos um dos grupos “participantes do processo civilizatório nacional”, o Estado tem o DEVER de proteger essas manifestações culturais. Temos crucifixos especificamente porque somos um país que tem essa tradição; da mesma maneira, no Japão acharíamos símbolos budistas por aí ou em Israel vamos achar símbolos judeus. Afinal, é natural a presença de símbolos religiosos em com uma formação específica, e o Estado Brasileiro explicitamente se propõe a protegê-los  na Constituição Federal.

5- O que aconteceria se os símbolos cristãos fossem substituídos por símbolos do candomblé em repartições públicas? Continuaria sendo laico e em paz com os cristãos?
Tecnicamente, continuaria sendo laico e continuaria não retirando a liberdade de crença de ninguém. Afinal, não subvenciona nem adota nenhuma religião como oficial, nem obriga a ninguém a adotar determinada crença. A questão é que não há motivos para isso ser feito, pois a tradição brasileira não é a do candomblé. Mas se algum dia o Estado resolver ocupar algum prédio que já possua na sua estrutura algum símbolo dessa religião, não precisaria tirá-lo de lá. O critério será o mesmo – estarão protegendo um patrimônio cultural e histórico do país deixado por um grupo participante do processo civilizatório nacional. E isso não fere em nada a laicidade do Estado, apenas demonstra respeito e tolerância por esses grupos, sem “destruir” o que foi construído por eles…

6- Os feriados “religiosos” em nosso país, não compreendem o ano novo judeu, por exemplo (só o gregoriano). Os outros são natal e dias de santos. Se existem feriados religiosos, mas eles não se estendem a todas as religiões do país, não tem laicidade. Essa é só uma reedição do argumento acima. Toda história do Brasil é baseada no cristianismo e essas datas JÁ entraram para o patrimônio cultural e histórico popular. A maior prova disso é que até Richard Dawkins, que é neo-ateu, comemora o Natal no seu país. Isso faz parte da cultura do povo, e deve ser preservado, da mesma forma que são os nome de Estados como Espírito Santo ou São Paulo, ou a presença do Cristo Redentor no meio do Rio de Janeiro. Não há unificação de Estado e Igreja por preservar datas populares nem retirada de liberdade de crença, como provou o exemplo de Richard Dawkins, o maior militante ateu do mundo hoje.

7- É preciso o extermínio dos símbolos e tradição religiosa, para que TODOS tenham direito de exercitar suas crenças, incluindo as "não-crenças". Esse argumento é terrivelmente falho. A presença de símbolos religiosos não força ninguém a crer em algo, nem impede o seu exercício. Afinal, para ateus, agnósticos e pessoas de religiões diferentes, um símbolo religioso não representa nada diferente de um mero objeto decorativo ou obra de arte. Se eu absolutamente não dou valor de verdade à aquilo – porque iria me incomodar mais que um tela de Monet ou um quadro de Picasso? Eu mesmo quando fui ateu nunca me considerei coagido a ser cristão por o Natal ser feriado ou por morar em uma cidade com símbolos religiosos nas paredes… no que isso me impedia de ser ateu? Nada. Se esse argumento fosse válido, teríamos que acabar também com feriados políticos, como a Proclamação da República. Digamos que eu seja, hipoteticamente, um defensor ardoroso da Monarquia. Nesse caso, a existência de um feriado como esse feriria meu direito de “exercitar a crença que a Monarquia é o melhor modelo” e constituiria “violação de consciência”… Mas o feriado continua aí, pelo respeito à tradição dessa data e não me impede de exercitar uma crença política no momento em que eu quiser.

8- Sou ateu e quero a retirada de todos os símbolos que remetam à cultura religiosa dos brasileiros, mas não prego Estado ateísta. Ora, se “ateísmo” foi redefinido como “mera ausência de crença em Deus” (e, por tabela, em qualquer religião) criar um Estado que SUPRIMA todos os elementos de cultura religiosa não é nada mais do que criar um estado ateu, na prática. Afinal, justamente o que diferenciaria um ateu de um religioso é a ausência de vinculação religiosa e teísta. Um Estado que não possa mencionar Deus ou que não possa proteger a cultura do país no tocante à religião é um estado ateísta. E não há motivos para privilegiar mais o ateísmo do que qualquer outro ponto de vista.

Conclusão e considerações finais:

As reclamações contra a cultura cristão não constituem boas objeções contra a inexistência de laicidade no Brasil.  Estado laico não é estado ateu ou anti-religioso. A laicidade não se expressa na eliminação dos símbolos religioso, mas na tolerância e respeito aos mesmos.

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